quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Seja Feliz

"Afinal, o que nos faz cantar o coração? E porque é que algumas pessoas são mais felizes do que outras? Conheça os meandros da felicidade e a relação desta com o amor, os filhos, a amizade, a religião, o dinheiro, a beleza, a idade. E descubra o que pode fazer para se sentir mais feliz.

Diz-se optimista, persistente e feliz com as pequenas coisas do dia-a-dia. “Um passeio à beira-mar com o meu cão, em pleno Inverno, pode ser de uma grande leveza – sinto-me feliz por ter esses momentos só para mim. Da mesma forma que me preenche totalmente estar com os amigos e a família”, comenta Maria Gonçalves M., de 40 anos.
O esforço de Paula C., de 35 anos, é visível. O movimento dos olhos denuncia uma viagem no tempo, oito a 10 horas revisitadas numa fracção de segundos, à procura do que a fez realmente feliz nesse dia. Surpreendida com o simples exercício, com o que encontrou, ou melhor, não encontrou, admite: “Não vejo nada que se encaixe nessa categoria, não houve nada assim de tão extraordinário…”
Poucos assuntos centram mais a atenção do ser humano do que este da felicidade. Sendo difícil de definir – ou, pelo menos, há muitas maneiras de o fazer –, ninguém tem contudo dificuldade em dizer se é ou não feliz e em que circunstâncias concretas é que isso acontece. Uns admitem já terem “chegado lá”, vivem momentos de grande felicidade sozinhos ou com a família e os amigos, por exemplo. Outros dizem que continuam à procura, como se se tratasse da procura do Santo Graal. Os especialistas asseguram que é bem mais fácil encontrar a felicidade do que o símbolo da cristandade, porque ela está muito perto de cada um de nós. Já faz parte da nossa vida.
A ciência da felicidade é uma ciência da pessoa. Experimentando, errando, e tentando de novo, cada um de nós descobre aquilo que o ajuda a viver e a sentir-se bem”, escrevem Francesco Cavalli Sforza e Luigi Luca Cavalli Sforza, no livro Os Caminhos da Felicidade (Editorial Presença).
Daniel Gilbert, psicólogo, professor da Universidade de Harvard e autor do livro Tropeçar na Felicidade (Estrela Polar), descreve a felicidade como “um estado emocional subjectivo” que é claramente identificado pelas pessoas, tanto quando estão dentro como fora dessa experiência. “A felicidade emocional é uma frase que define um sentimento, uma experiência, um estado subjectivo e por isso não tem um referente objectivo no mundo físico.”
Uma das definições mais consensuais sobre felicidade “tem precisamente a ver com a ideia de bem-estar subjectivo, isto é, como é que cada um avalia subjectivamente a sua relação com a vida”, observa a psicóloga Helena Marujo, professora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, especialista em Optimismo e Felicidade. “A maior parte dos instrumentos de avaliação da felicidade centram-se actualmente nesta ideia do quanto cada um está satisfeito ou feliz em relação a um ideal de vida.” Na prática, as pessoas são convidadas a responder “o quanto se sentem felizes com a vida que têm, tendo em conta o que gostariam de ter”.
Quando o tema é felicidade, há um certo consenso no seio da comunidade científica de que o que realmente importa é a forma como cada um se sente relativamente ao que tem. O psicólogo e sociólogo Ruut Veenhoven, professor da Universidade Erasmus em Roterdão, na Holanda, e um dos primeiros autores de publicações no campo da felicidade, define-a como “o quanto cada um gosta da vida que tem”. Razão pela qual, diz, “as pessoas podem viver no paraíso e mesmo assim serem infelizes e deitar tudo a perder”.
Mas se há teses dentro do estudo da felicidade que defendem que só é possível avaliar a felicidade subjectivamente, há autores, nomeadamente o Prémio Nobel da Economia Daniel Kahneman, que asseguram podermos ir mais além, medindo este sentimento objectivamente. Para o efeito, “é pedido às pessoas no momento, e em múltiplos momentos, que descrevam o que estão a sentir”, explica Helena Marujo.
A felicidade não é estática, “são momentos”, como defende a especialista portuguesa. Por isso, até mesmo as pessoas que se dizem mais felizes têm os seus momentos menos bons, ao contrário do que por vezes se julga ou se quer fazer acreditar. É que, actualmente, existe uma certa pressão social para nos mantermos risonhos e felizes o tempo inteiro, como se o desalento não fizesse, ou melhor, não pudesse fazer parte dos nossos dias. Outro sinal do nosso tempo “é perseguir, andar constantemente à procura da felicidade”, comenta Helena Marujo, lembrando que “procurar e construir” a felicidade são duas coisas completamente diferentes.
Uma coisa é continuar com a ideia de que “falta sempre alguma coisa para se poder ser feliz, e, portanto, nunca se é. E a outra é perceber, ter consciência de que a felicidade se desenvolve, constrói-se, investe-se. Investe-se e é preciso investir a cada momento, saboreando o que se está a viver no presente, no agora”, porque não se sabe o que vai acontecer a seguir.
A primeira é um processo que, de alguma maneira, “tem por base uma permanente insatisfação” e, como recorda, está presente em algumas culturas, nomeadamente a americana. A segunda é o lema dos países do mundo com maiores níveis de felicidade, “como, por exemplo, a Islândia”. Neste país do Norte da Europa, “as pessoas falam muito da tal experiência dos momentos, da ideia de uma felicidade que se vai construindo aqui e agora nas pequenas coisas”.
Procurar este sentido para a vida parece ter as suas vantagens. “Há uma associação entre a felicidade e as emoções positivas que, por sua vez, se sabe que estão ligadas à saúde e longevidade”, diz Helena Marujo. As pessoas mais felizes vivem mais tempo.
As características comuns às pessoas que consideramos felizes, segundo vários estudos de Martin Seligman, autor da obra de referência Authentic Happiness (Paperback) – Felicidade Autêntica –, resumem-se assim: são amadas pelos outros, são mais tolerantes e também mais criativas. Têm em comum hábitos de vida mais saudáveis, tensão arterial mais baixa e sistema imunológico mais resistente do que as pessoas infelizes.
Martin Seligman defende que a felicidade é feita de três componentes. Um deles, a que chama set point e que é uma espécie de nível basal, representa 50 por cento e tem influência genética – é único a cada pessoa. Os outros 50 por cento encontram-se divididos. O que nos acontece, as nossas experiências, que é o mesmo que dizer “as circunstâncias da vida” apenas influenciam em 10 por cento os nossos níveis de felicidade. O resto, os 40 por cento, é “comportamento voluntário”. Ora é precisamente neste espaço de liberdade que é possível mudar a nossa história, assegura o psicólogo. “Apesar de um indivíduo nascer com uma predisposição para a ansiedade ou a melancolia, se treinar, é possível vir a desenvolver uma atitude mais feliz”, afirma também o neurocientista Richard J. Davidson, mais um dos nomes ligados ao estudo da felicidade.
Helena Marujo partilha a tese de Seligman, de que é possível mudar o rumo da nossa felicidade através do “comportamento voluntário”, agindo. A prática contínua de determinados exercícios tem-se revelado muito eficaz em termos do aumento dos níveis de felicidade subjectiva das pessoas.
O exercício das três bênçãos ou dos três acontecimentos positivos, por exemplo, “que é a pessoa chegar ao final do dia e identificar três coisas boas que lhe tenham acontecido, que a tenham feito sentir-se abençoada”, é um deles. “Voltamos à ideia do momento, do apreciar e saborear o momento”, esclarece, sublinhando que esta capacidade de gratidão em relação à experiência, de parar para reconhecer o que é bom e nos gratificarmos com isso, é um elemento central nos programas de desenvolvimento da felicidade praticados actualmente um pouco por todo o mundo.
Mas se a vida das pessoas for tão complicada que se torna difícil vislumbrar alguma bênção? Helena Marujo diz que é muito raro isso acontecer. As pessoas encontram sempre alguma coisa, por mais pequena que seja, “e apesar de tudo”. Por exemplo, “de ter gostado do beijo que a filha lhe deu logo de manhã ou de uma mensagem que lhe deixaram no telemóvel”.
Segundo a especialista, uma das abordagens mais significativas neste momento, na construção da felicidade, é precisamente a do mind fullness. “É levar as pessoas a viverem o momento, a terem uma capacidade de relação com o momento de grande intensidade, porque não sabem o que lhes vai acontecer a seguir. Se calhar, também lhes aconteceram coisas desagradáveis no passado, mas têm de decidir se querem viver agarradas a esse passado doloroso e ficar com medo do futuro ou se, pelo contrário, este é o momento que têm e vão aproveitar. A mente fica cheia da experiência que se está a viver, que é aproveitada e sentida.”
Escrever uma carta de gratidão a alguém a quem se tenha alguma coisa a agradecer e que ainda esteja viva, de preferência ler a carta a essa pessoa, é outro dos exercícios que se tem mostrado eficaz para a felicidade. “Trata-se de trabalhar a questão de estarmos gratos pelo que temos, em vez de estarmos sempre à procura do que não temos”, diz, explicando que este exercício é feito inclusivamente com populações de pobreza.
Até mesmo porque ter dinheiro não é um seguro de felicidade eterna. Pelo menos é o que garantem os especialistas. Embora as pessoas pobres sejam mais infelizes do que as ricas, a partir do momento em que são atingidas as necessidades básicas, a ligação entre as duas desaparece. Ou seja, o índice de felicidade volta ao normal. Experiências levadas a cabo com pessoas que tinham ganho a lotaria comprovam claramente esta teoria. No seu livro Tropeçar na Felicidade (Estrela Polar), o psicólogo Daniel Gilbert escreve: “A riqueza aumenta a felicidade humana quando tira as pessoas da pobreza mais abjecta e as coloca na classe média, mas pouco faz para aumentar a felicidade a partir daí.”
O mesmo se aplica à beleza física que, podendo trazer as suas vantagens, exerce pouquíssimo efeito sobre a felicidade, como defende Martin Seligman. “Ser belo, atraente, agradar aos outros é algo que ajuda mas não é determinante. O mais importante é agradar si mesmo”, comentam Francesco Cavalli Sforza e Luigi Luca Cavalli Sforza em Os Caminhos da Felicidade (Presença), defendendo que “consegue ser feliz quem desenvolve uma boa relação consigo mesmo”.
Apesar de os pais reclamarem que os filhos os fazem mais felizes, os especialistas defendem tratar-se de mais uma falsa crença. Daniel Gilbert escreve: “Quando se pede às pessoas que identifiquem as suas fontes de alegria, elas fazem o que eu faço: apontam os filhos. No entanto, se medirmos a real satisfação das pessoas que têm filhos, revela-se uma história muito diferente. (…) Estudos cuidadosos sobre como as mulheres se sentem nas suas actividades diárias mostram que elas são menos felizes quando cuidam dos filhos do que quando comem , fazem exercício, vão às compras, dormem a sesta ou vêem televisão.”
No que respeita à distribuição da felicidade por género, parece não haver grande diferença entre homens e mulheres. “Há uma tendência para que as mulheres sejam simultaneamente mais infelizes, porque deprimem mais, mas também quando são mais felizes, são mais felizes”, comenta Helena Marujo.
A diferença em termos de idade é bem mais relevante, verificando-se que as pessoas são mais felizes quando são mais velhas. A especialista diz que a explicação poderá ficar a dever-se ao facto de estas pessoas terem encontrado o “sentido para a vida nas pequenas coisas”. O que, às vezes, em determinadas alturas da vida, “é mais complicado fazer, apesar de se ser mais jovem, pois também se está mais perdido”. Concretamente na adolescência, altura em que os níveis de felicidade baixam drasticamente. “A incerteza gera infelicidade.”
Quanto ao impacto do amor e da amizade nos níveis de felicidade, não há qualquer dúvida: uns e outros contribuem para nos fazer cantar o coração. A amizade, as relações familiares e a conjugal, em especial o casamento – os resultados não são os mesmos para as relações maritais, o que segundo alguns autores terá a ver com o grau de compromisso que é menor, neste caso –, contribuem para a nossa felicidade. “A relação de amizade funciona como elemento central na medida em que é partilha, sabe-se que existe apoio”, diz a especialista. “Somos seres sociais e, portanto, qualquer experiência de isolamento é uma experiência de sofrimento.”
A religião é outro indicador significativo de felicidade – alguns autores acreditam que pelo processo espiritual em si. Outros argumentam com o facto de as pessoas que comungam uma religião ou investem na espiritualidade estarem “inseridas numa rede social e, logo, usufruírem do apoio social”, sendo precisamente este aspecto gerador de bem-estar e felicidade.
No balanço do que nos faz ou não feliz, sabe-se também que existe uma correlação directa entre a felicidade e o optimismo e a extroversão. Tanto pode ser causa como efeito. Também não existem dúvidas de que a realização profissional tem um papel importante nos nossos níveis de felicidade.
O Sol parece não exercer grande influência no nosso rácio de felicidade, embora existam estudos que demonstram claramente que a luz é essencial ao nosso bem-estar. De outra forma, como se explicaria que Portugal, com os seus dias soalheiros, tenha uma pontuação tão desfavorável?
Em termos de indicadores, na base de dados mundiais sobre a felicidade, Portugal tende a estar abaixo das médias europeias que são de 6.75, numa escala de 0 a 10. Mas, segundo Helena Marujo, está muito pior situado quando se trata de indicadores de pessimismo. “Tudo o que tenha a ver com expectativas em relação ao futuro – a vontade de caminhar para o futuro implica obrigatoriamente uma imagem positiva do que está para vir –, no quadro europeu, estamos sempre no último ou penúltimo país da lista da Eurostat.” Seja como for, a nível mundial, o número de pessoas que se auto-apresenta como infeliz é reduzido, garante a especialista.
Seja como for, baseando-se na sua vasta experiência em cursos de formação na área do optimismo e da felicidade, Helena Marujo assegura que os portugueses estão a mudar. “As pessoas estão cansadas de estarem sempre a ser dramáticas, a serem vítimas.” Estão a ultrapassar o legado cultural da saudade e do fado, cada dia mais empenhadas em investir nas emoções positivas, cultivando o optimismo e a esperança, tentando ser feliz. Apesar de tudo."

Por Júlia Serrão
In
Máxima

2 comentários:

msg disse...

Muito boa noite,Maria Lua

Que rico tema este,o da felicidade.
Dá pano para mangas. Uma coisa,um estado muito,muito relativo.
Recorda-me um livro de Camilo,Onde Está a Felicidade,representada por uma panela de libras que um novo locatário foi descobrir sob uma tábua do soalho. E lembra aquela do homem mais feliz,o que só tinha uma camisa,pois ,tendo duas,estaria preocupado com a que deixara algures por aí. E também o pobrete,mas alegrete. E,talvez,o que acabei de ver da janela. Dois carros estacionados junto a uma barraca,a que resta de uma correnteza delas.
Enfim,e não sei como se pode ser felz,sabendo que há tantos infelizes. Será mais uma de quem é feliz a prestações,quer dizer,hoje,mas amanhã não.
Desculpe-me Maria Lua,mas a"felicidade" deu,hoje,para isto.
Muito boa noite,e SEJA FELIZ.

Maria Lua disse...

Boa tarde MSG,

pois, um estado relativo.
Nós temos de ser felizes para fazer os outros felizes também!
E aproveitarmos todos os momentos que a vida nos oferece de alegria e tranquilidade.
Seja muito feliz também!
:-)