E o direito à preguiça?
Crónica de Vítor Belanciano
Na edição do PÚBLICO, Vítor Belanciano, na sua Crónica Mista, dedicou-se à preguiça - no sentido em que, a partir de leituras de Alain de Botton, aborda a necessidade de sabermos parar de trabalhar de vez em quando. Aliás, "o historiador holandês Johan Huizinga defende que uma vida produtiva só é possível com muitos momentos de improdutividade". Eis o direito à preguiça.
As pessoas trabalham mais hoje do que alguma vez aconteceu.
Di-lo o filósofo suíço radicado em Inglaterra Alain de Botton, que teve a sorte que muitos de nós desejariam - é herdeiro de uma grande fortuna familiar -, mas que, por um daqueles arbítrios que apenas os milionários se podem permitir, decidiu prescindir dela e viver apenas dos seus ganhos como escritor.
Temos a sensação que vivemos na era do lazer, das férias, das viagens por prazer, mas é capaz de não ser assim. Trabalhamos de mais, diz ele. Na Idade Média, a maior parte das pessoas trabalhava até ganhar o dinheiro que precisava para sobreviver e depois parava para desfrutar do que conseguira. Só voltava a trabalhar quando o dinheiro acabava. Na era industrial, as pessoas começaram a cumprir as jornadas regulares de trabalho.
Hoje vivemos obcecados em ter uma vida produtiva. Trabalhar muito. Trabalhar incessantemente. Todos conhecemos alguém que fica com inquietações ao domingo à tarde com saudades do escritório. Ou quem invente desculpas para não tirar férias. Não é por acaso que nas férias aumentam as separações entre casais, os conflitos entre pais e filhos tendem a agudizar-se e os níveis de ansiedade para quem está habituado à rotina sobem imenso.
É difícil aceitar a preguiça. Aquela que é desejada, permitida, feliz. Porque também a há desgraçada, nascida da revolta, quando nos obrigam a algo que não desejamos. Falo daquela que irrompe, depois de um momento de satisfação, cumprido com um bom repasto ou de uma conversa agradável. É aí que, consolado, sem nenhum desejo para ser realizado, o corpo e a mente se entregam ao repouso, reconciliando-se com o mundo.
É do senso comum ouvir dizer-se que os portugueses trabalham pouco. Tenho dúvidas. Não sabem é, na maior parte das vezes, optimizar de forma qualitativa o seu tempo de trabalho. O historiador holandês Johan Huizinga defende que uma vida produtiva só é possível com muitos momentos de improdutividade. Ao homem da produção, do consumo e do trabalho contrapõe o homem do jogo, do lúdico, da festa. Para ele, o homem trabalha apenas porque deixou de saber desfrutar.
Ou seja, não sabe o que fazer com o ócio. Com o trabalho não. Vive-o como obrigação. Necessidade. Forma de disciplina. Paixão, para quem gosta muito do que faz. Forma de felicidade. Uma maneira de se manter entretido e de afastar a ideia de morte. Seja o que for, o trabalho identifica. Somos o que fazemos. É por isso que é tão difícil estar no desemprego. Não é apenas o dinheiro. É também a identidade de cada um que se joga. Fora do mercado de trabalho é como se não se existisse.
Estranha sociedade esta em que uma parte está desesperada, por excesso de trabalho, e a outra por não ter emprego. Uma sociedade onde se fala do esbanjamento de recursos naturais, como o petróleo e a água, e onde se esquece o desperdício do recurso mais precioso, o ser humano, com direito ao trabalho e à preguiça, porque o tempo é o principal recurso não renovável.
Vítor Belanciano
in Fugas
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