O Alentejo Central sofreu uma grande transformação. Onde antes havia secura, existe agora o maior lago artificial da Europa, um espelho de água com 250 km2. Memórias e tradições juntam-se a novos caminhos e novas panorâmicas onde pontuam inúmeras ilhas, braços de água e pontes extensas que fazem agora a ligação entre povoações.
Recuar no tempo
Sendo este um percurso circular, vários podem ser os pontos de partida, tudo depende do local que se escolheu para passar a noite. Para nós, o percurso começou em Monsaraz, importante praça de defesa do Grande Rio do Sul, o Guadiana. Esta vila medieval - com ruas de xisto e cal e lojas de artesanato que vendem barros e mantas - é hoje um importante miradouro sobre o Alqueva que coloriu de azul a paisagem.
Dada a sua posição estratégica, a vila fortificada foi cobiçada por cristãos e mouros durante um século e só no ano de 1252 é que D. Sancho II, com a ajuda dos Templários, conquista definitivamente Monsaraz. Agradecendo a ajuda, o monarca acabou por doar a vila à ordem. Foi, no entanto, D. Dinis quem mandou levantar o castelo.
Dentro das muralhas, apenas morava a fidalguia. A arraia miúda tinha como destino os arrabaldes, local onde ainda hoje encontra a Igreja de São João Baptista, antigo santuário muçulmano, ladeado por sepulturas antropomórficas abertas na rocha viva.
No interior do burgo, duas são as ruas principais: a de Santiago e a do Castelo. Impõe-se no casario a Igreja Matriz de Santa Maria, contemporânea do repovoamento cristão (século XIII) e refeita um século depois. No mesmo largo situam-se o pelourinho e os Antigos Paços da Audiência (já serviu de cadeia) em cujo interior existe um fresco quinhentista sobre a justiça terrena, representando aos olhos de Deus, o juiz honesto e o juiz corrupto.
A vila das chaminés
Mourão, vila fundada na margem esquerda do Guadiana pelos árabes no século IX, foi conquistada pelo primeiro rei de Portugal em 1166. É famosa pelas dezenas de chaminés mouriscas que se encontram nas construções civis. Esta era também uma forma de representação do estatuto social de quem as mandava edificar. Uma das maiores tem 3 metros de altura e um metro de diâmetro.
A par com Monsaraz, o castelo medieval de Mourão foi uma importante sentinela do Guadiana. Já merecia uma intervenção capaz de mostrar o valor que teve noutros tempos. É possível subir à torre mais alta para ver as alterações da paisagem com a água da albufeira do Alqueva a chegar à vila. O enchimento da albufeira afundou ainda o velho castelo de Lousa, da época romana, situado aos pés do Guadiana.
Integrada nas muralhas, a Igreja Matriz de Nossa Senhora das Candeias – única construção inserida no castelo – é um templo imponente construído no século XVII. Sofreu as consequências do grande sismo de 1755, que posteriormente foram corrigidas. Tem quatro altares, cada um dedicado a um santo. Está quase sempre encerrada.
Em frente ao jardim central, na parte baixa da vila, o antigo celeiro comunitário do século XIX é hoje o edifício dos Paços do Concelho.
De regresso à estrada, a próxima paragem é na nova Aldeia da Luz, já que a antiga povoação situada a cerca de um quilómetro do local ficou submersa com o avançar das águas da barragem. O Museu da Luz - fundado em 2003 e que dois anos depois já recebia uma Menção Honrosa na categoria do Melhor Museu do País pela da Associação Portuguesa de Museologia - não deixa afundarem-se as memórias da primeira localização desta povoação. Um videograma reconstrói o território apagado pelas águas da barragem.
Ali ao pé, a nova Igreja de Nossa Senhora da Luz apresenta fortes influências do templo original. O púlpito, a pia baptismal, os portais e os capitéis góticos são exemplos de cantarias utilizadas na construção da antiga igreja. As pinturas murais foram também recuperadas e aplicadas no novo templo.
À procura da Moura encantada
De caminho para a cidade de Moura, é de apreciar os cantos interiores da albufeira. Aconselhamos o desvio para Estrela, uma povoação que, de repente, se vê à beira da água e cuja estrada deixou de ter saída.
A Moura, povoação reconquistada definitivamente em 1295 está associada a lenda de Salúquia. Esperava esta alcaidessa um príncipe mouro, quando os cristãos montaram uma emboscada ao nubente, matando-o bem como à sua comitiva. Os cristãos, vestindo os seus trajes, conseguiram desta forma entrar no castelo. Acreditando tratar-se do seu noivo, a princesa abriu as portas do forte, no entanto, ao tomar consciência do seu acto, suicidou-se lançando-se de uma das torres.
Da fortificação islâmica de Moura resta um torreão de taipa da época almóada. O resto também é História... O forte foi depois devastado pela Guerra da Restauração e pelo terramoto de 1755. Mais recentemente, em 2003, a edilidade encetou um projecto de intervenção e recuperação do castelo, tendo sido criadas infra-estruturas como um anfiteatro ao ar livre e um Parque das Artes com exposições permanentes de escultura.
A lenda da moura pode até nem ter fundamento histórico, todavia a presença árabe está confirmada pelos testemunhos que os sarracenos deixaram, como nos dá conta a Mouraria. Numa destas casas pode visitar-se um poço árabe do século XIV e perceber o seu modo de funcionamento.
Junto à Porta da Traição do castelo e à entrada do Jardim Municipal, a Igreja de S. João Baptista, do século XVI, não passa despercebida pelo seu portal manuelino, único exemplar do concelho. A colocação de um altar ao ar livre, integrado no varandim da torre, indica que dali muito provavelmente se dava a missa aos reclusos da prisão.
Numa das ruas traseiras a este templo fica o Museu Municipal. Situado no edifício conhecido como a Casa do Rato, antigo celeiro comunitário, abrange um arco temporal que vai desde a Pré-História ao século XVIII, de onde fazem parte uma colecção arqueológica da região, lápides do tempo dos mouros e diversos exemplos de armaria.
Paula Oliveira Silva, in Lifecooler
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