quarta-feira, 7 de março de 2007

Sem estruturas de apoio vai acontecer mais vezes...

"Matou a mulher doente e suicidou-se a seguir
Virgilio Rodrigues
Os corpos foram removidos ao fim da noite de ontem pelos bombeiros para a morgue. Marisa RodriguesManuel Santana, 75 anos, esteve sempre ao lado da mulher, portadora de Alzheimer. Mas a doença agravou-se e as noites sem dormir deixaram-no à beira do desespero. Pediu ajuda para interná-la, mas o apelo não surtiu efeito. Ontem decidiu acabar com o sofrimento. Matou a companheira a tiros de caçadeira, na casa de ambos, em Loulé, e suicidou-se. A triste história do casal, que depois de uma vida de trabalho em França escolheu viver a reforma no sítio de Soalheira, freguesia de São Sebastião (Loulé), deixou todos em estado de choque. A doença de Olívia Nunes, de 72 anos, era conhecida, mas ninguém esperava este desfecho.Manuel era conhecido pela dedicação à companheira. "Fazia-lhe todas as vontades, ia a Loulé passeá-la, davam-se muito bem", comentavam os vizinhos. A aparente calma que se sentia à porta da moradia do casal, palco da tragédia, quebrou-se quando os corpos foram removidos pelos bombeiros. Deu lugar a muito choro e lamentos. "Ainda estou meio zonzo. Como é que o meu primo foi capaz de fazer uma coisa destas?", questionava-se Artur Mendes. "Ela de há uns tempos para cá não o deixava dormir. Passava a noite a conversar como se fosse uma criança. Ele era um santo e tinha muita paciência, mas com certeza que perdeu o tino, depois de passar muitas noites de seguida sem dormir", acredita. Olívia sofria de Alzheimer há cerca de sete anos. A doença foi piorando e as noites sem dormir levaram Manuel a pedir ajuda. Na passada sexta-feira, foi à junta de freguesia de São Sebastião. Chorava muito e os funcionários decidiram telefonar ao presidente, Horácio Piedade. "Estava desesperado que até metia dó. Disse que não aguentava mais. Queria interná-la", contou. "Contactei a acção social da câmara de Loulé e pedimos uma ambulância, que os levou ao hospital de Faro", acrescentou o autarca. No dia seguinte, ao cruzar-se com Manuel, soube que Olívia "teve alta horas depois de chegado ao hospital. Disse-me que foi medicado e já tinha conseguido dormir melhor". Ontem Manuel telefonou ao filho (o único do casal) que reside em França. Contou-lhe que ia pôr termo ao sofrimento. O filho telefonou de imediato a uma vizinha, que se deslocou à moradia do casal. Encontrou Olívia morta, deitada no sofá, e Manuel, também já sem vida, tombado entre a porta das traseiras e o quintal. A GNR recebeu o alerta às 16.30 horas, mas os militares, ao constatarem ter sido utilizada uma arma de fogo, informaram a Polícia Judiciária (PJ) de Faro, com competência para investigar este tipo de crimes. Mal os inspectores da PJ deixaram a casa, com sacos com indícios recolhidos na moradia, um familiar, um vizinho e o presidente da junta, apressaram-se a limpar o sangue com vassouras, detergentes e baldes de água. "É para evitar que o filho que vem de França sofra ainda mais ao ver isto", diziam."

In blog:
http://murcon.blogspot.com/

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"A propósito do suicídio de um cidadão português, na sequência do seu acto tresloucado de assassínio da própria mulher, conforme relato no blog Murcon, uma vez mais, atribuo à ausência de planeamento - público e privado, do estado e empresarial - uma das mais sérias limitações ao desenvolvimento em e de Portugal.
Somos um país sem uma adequada definição de prioridades. Porque falta planeamento. Se tivéssemos uma lista exaustiva de tarefas, nas várias áreas de governo, seria possível escaloná-las e, sabendo-se da impossibilidade de as realizar todas ao mesmo tempo, seria exequível a sua ordenação por prioridade. Planear a sua realização e a definição dos recursos necessários. Muitas vezes, pela forma como as decisões vão sendo tomadas, parece que se delibera casuisticamente. De acordo com a sugestão do primeiro que abriu a porta do gabinete do primeiro ministro (este ou qualquer outro).
aqui referi, há largos meses, a obscenidade que representa o apoio do estado à colocação de bandas gástricas. Quando o estado não tem condições de realizar a cirurgia (parece que a lista de espera é de 7 anos), o doente (em muitos dos casos a palavra deveria estar entre aspas) pode recorrer a clínicas privadas. Ao que se dizia na altura o custo era de 8 500 € por intervenção.
Entretanto, os 46 mil doentes de Alzheimer sem qualquer tipo de assistência (dos 70 mil existentes em Portugal) - conforme foi publicado no Murcon (2006/05/16) -, continuam a não ter as condições de acompanhamento necessárias. Aqueles que por necessidade contactam, ao longo deste país, as entidades oficiais, identificam uma enorme ausência de instalações para acolher este tipo de doentes.
E, se é verdade que durante um certo período os familiares que tratam deste tipo de doentes, procuram encarregar-se dessa tarefa a sós, há muitos que, depois de dias e noites sem descanso, soçobram. São esses que desesperam quando não encontram vagas nas poucas portas que encontram abertas. Resta-lhes o seu próprio bolso (se ainda lá tiverem alguma coisa) para encontrarem (o que nem assim é fácil), o lar pago e nem sempre em razoáveis condições, ou o apoio domiciliário pago utilizado de forma intermitente, para que nos intervalos se possam recuperar as forças.
Sabe-se que um dos melhores negócios de hoje e do futuro é o que se liga à velhice. Como é habitual, o estado alheia-se da análise das causas que propiciam o negócio. Se o fizesse, saberia para onde deveriam ir as suas prioridades. E planearia a intervenção."

In blog:
http://abaixa-voz.blogspot.com/2007/03/alzheimer-velhice-prioridades.html

2 comentários:

JFR disse...

Obrigado pelo seu comentário.

Eu não sei se o Estado, tem alguém (dos muitos, demasiados assessores que por lá rastejam)ocupado em analisar a blogosfera e dela retirar um sem número de assuntos sobre os quais se impõe agir. Valeria a pena.

Eu, a Maria e muitos outros continuaremos a fazê-lo. Por uma questão de cidadania.

Maria Lua disse...

Obrigado JFR.
:-)