Polimedicação e contaminantes emergentes – riscos para o ambiente e saúde humana
A polimedicação, ou toma simultânea de medicamentos, é um problema das sociedades modernas que está a provocar perturbações ambientais com impacto significativo na saúde humana.
Basta tomar em consideração os efeitos da designada “doença do saco”; não é invulgar, no decurso da consulta médica, que cinco ou mais medicamentos que são tomados ao mesmo tempo sejam apresentados ao clínico no interior de um saco de plástico.
A “doença” tem maior incidência junto da população sénior. Nos EUA, esta camada da população toma em média 6,6 medicamentos, o que representa, no seu conjunto, um dispêndio que ascende a 200 mil milhões de dólares. Em Portugal, segundo um estudo da Faculdade de Farmácia de Universidade de Lisboa sobre polimedicação iniciado em 2007, a toma média, junto dos seniores, é de sete medicamentos. Mas, por experiência pessoal, foram detectados casos de doentes a tomar 20 medicamentos em simultâneo!
Nos EUA, esta é a causa de 28% de todos os internamentos hospitalares e seria, se fosse considerada como tal, a quinta causa de morte (Michael Stern, New York Presbyterian Hospital, 2006). Os custos associados aos tratamentos de complicações daqui derivados ascendem aos 136 mil milhões de dólares.
A consulta de vários especialistas
Quais as razões que estão na base desta prática? Pude observar, no decurso da prática clínica, alguns motivos centrais: desde logo, o facto de o mesmo paciente consultar vários especialistas em simultâneo, cujas consultas, geralmente, são demasiado curtas para uma análise detalhada. Verifica-se ainda a omissão, por parte dos doentes, dos medicamentos que tomam e dos especialistas que consultam. A estes factores junta-se a automedicação inconsciente, a toma de medicamentos ditos “naturais”, mas cujas substâncias activas interagem com as dos restantes medicamentos e, não menos frequente, as recomendações das pessoas próximas. Quando nos explicam: “A vizinha disse que… é muito bom para os ossos!”
Os efeitos no ambiente não são menos perniciosos. Estimam-se em cerca de 3000 os medicamentos que, por não serem totalmente metabolizados pelo organismo, são excretados pelos doentes e contaminam o meio ambiente. E isto só em Portugal!
Estes chamados Contaminantes Emergentes foram detectados em 80% dos 139 rios que a EPA (US Environmental Protection Agency) analisou em 1999. Entre estes contam-se analgésicos, hormonas, medicamentos para hipertensão, antibióticos e sedativos. As doses ínfimas podem ser concentradas em órgãos de animais, como o fígado dos peixes; estes muitas vezes são de consumo humano. Mais ainda, podem causar deformidades, como a apresentação de dois sexos no mesmo peixe, o que impede a proliferação da espécie. Segundo a EPA, alguns animais marinhos podem concentrar de 1 para 1 bilião de vezes o medicamento.
Por outro lado, trata-se de químicos medicamentosos cada vez mais presentes na vulgar água da torneira. Os sistemas de purificação (como ETAR ou filtros de água) têm-se mostrado insuficientes para limpar estes produtos. Mais ainda, a adição de desinfectantes, como o cloro, pode aumentar a sua toxicidade por efeito combinado. São verdadeiros “cocktails“ que juntam, (descriminados até agora) 56 drogas na água de consumo, cujo risco está pouco estudado.
Soluções para minimizar os impactos negativos
A Fair Cost Health Care Iniciative, subscrita por individualidades e instituições dos vários quadrantes que actuam na área da saúde e inovação e visa baixar os custos da saúde na Europa, apontou várias soluções para minimizar os impactos negativos da polimedicação.
Desde logo, a criação de um Portal Europeu do Medicamento, com informação detalhada sobre todos os medicamentos à venda na UE, disponibilizando alertas para a interacção medicamentosa. Por outro lado, seria desejável a formação e certificação de consultores farmacêuticos para apoio a instituições e a médicos, formação essa que se estenderia ao ambiente.
Ao mesmo tempo, a prestação de serviços farmacêuticos de orientação permite poupar dinheiro – segundo um estudo da consultora Price Waterhouse Coopers de Janeiro de 2009 relativo à Irlanda, esta poupança chega aos 450 milhões de euros por ano. E, não menos importante, faz bem à saúde.
António Lúcio Baptista (Médico especialista em cirurgia cárdiotorácica. Promotor da Fair Cost Health Care Iniciative)
in Ciência Hoje
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