A cenoura é um legume que cresce connosco. Uma infância que se preze não passa incólume ao saudoso xarope de cenoura e açúcar mascavado para curar a tosse, nem tão pouco aos constantes incentivos ao consumo de cenoura para “tornar os olhos bonitos”. Vá-se lá saber porquê, nos últimos tempos até ganhou fama a música de um coelhinho que, contrariando as “leis da nutrição”, ficava barrigudo depois de comer uma grande cenoura. Mas nem só destas agradáveis memórias de infância se escreve a história da cenoura.
Um dos seus pontos mais altos de popularidade teve origem quando em plena 2ª Guerra Mundial, a campanha britânica “dig for victory” - em português “cavar para ganhar” - tentou com sucesso minorar as carências nutricionais causadas pela escassez de alimentos, com o incentivo ao consumo de cenoura. E esta iniciativa governamental visou tanto os civis – particularmente os mais novos com a criação da mascote Dr. Cenoura e “chupa-chupas” de cenoura – como os militares, uma vez que se atribuíram aos carotenos da cenoura efeitos benéficos na visão nocturna e a responsabilizavam pelo sucesso da força aérea no abate de bombardeiros inimigos.
Hoje em dia, infelizmente, a cenoura gera mitos de outra ordem. O seu alegado excessivo teor de açúcar, que a tornaria um alimento desaconselhado para indivíduos com diabetes, é daqueles que até arrepia só de ouvir. De facto, dentro de todos os hortícolas, as cenouras são as mais “ricas” em açúcares. No entanto, toda esta “riqueza” resume-se a menos de 4% da sua constituição, com a agravante de possuir quase igual quantidade de fibra - que atenua sempre a subida dos níveis de açúcar no sangue.
Já no que diz respeito a micronutrimentos, as cenouras são quase um “mono produto” nutricional dado que, apesar de, logicamente, possuírem várias vitaminas e minerais, é na quantidade quase “obscena” de vitamina A que se centra todo o seu potencial funcional. Esta avalanche de carotenos que são convertidos em vitamina A, possuem naturalmente uma potente acção antioxidante, que é responsável pelos efeitos na visão e na pele que todos associamos às cenouras. No entanto, também no fortalecimento do sistema imunitário e na diminuição da oxidação do colesterol das LDL e consequente risco cardiovascular, as cenouras têm uma palavra a dizer. Aliás, um estudo recente, que relacionou as cores dos hortofrutícolas com a incidência de morte por doença coronária, concluiu que as frutas e legumes cor-de-laranja, particularmente as cenouras, estão inversamente relacionados com este tipo de eventos.
A cenoura deve então ser mantida como uma instituição da nossa infância, mas fazendo sempre a ressalva que só “engorda o coelhinho” quando comida em queques, tartes e sumos açucarados e não quando está na sopa, na salada ou no prato.
Pedro Carvalho, nutricionista (pedrocarvalho@fcna.up.pt)
in Lifestyle Público
Sem comentários:
Enviar um comentário