quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Não há raças de cães perigosas, há cães (e donos) não educados

Um cão não treinado pode ser perigoso e um cão treinado para ser perigoso vai mesmo ser perigoso. A treinadora Cláudia Estanislau defende obrigatoriedade de "cursos de sociabilização" de cães
 
Cláudia Estanislau ainda se lembra de pensar em Portugal como um país pouco evoluído no que diz respeito ao treino de cães mas onde, pelo menos, não havia algumas “leis estapafúrdias” que envergonhavam outros países.
A “lei estapafúrdia” (“feita em cima do joelho, copiada de outros países e cheia de vácuos”) chegou entretanto e passou a definir algumas raças de cães como perigosas. Portugal piorou e insistiu num erro: “Não apostou na educação” dos donos e dos animais.
Palavra de treinadora de cães e da dona da Safira, uma cadela que, apesar de não ter raça definida, “representa um estereótipo de um cão perigoso”. “Eu sou vítima de racismo, as pessoas fogem, gritam, afastam-me, insultam-me. Não é correcto porque eu sou uma dona responsável, a minha cadela nunca fez mal a ninguém”, lamenta.

"Um cão não nasce ensinado"
É preciso que se perceba de uma vez por todas que “um cão não nasce ensinado”, diz Cláudia Estanislau. É como a reciclagem, é até como a condução. Há que educar, insistir, publicitar.
Há também que assumir que existem cães perigosos (“Claro que sim”), mas insistir que o perigo não depende da raça: “A questão é: existem mais Pit bulls perigosos do que Golden Retrievers? Claro que não.”
Ian Dunbar, veterinário e especialista em comportamento animal, vai mais longe: "Se eu tivesse que recomendar um cão para exercer actividades treinadas de assistência num hospital para crianças, a minha sugestão seria um Pit Bull. Com o dono indicado, encontra num Pit Bull a melhor raça de todas."
Tudo depende da sociabilização. Um cão não educado pode ser perigoso, um cão ensinado para ser perigoso será, de certeza, perigoso. Solução? Todos os donos “deviam ser obrigados a fazer um curso de sociabilização para cachorros”, responde Cláudia, também tradutora dos livros de Ian Dunbar em Portugal.

Treino por "reforço positivo"
Quando Cláudia Estanislau tirou o primeiro curso de treinadora de cães, no Canadá, as colegas diziam-lhe “you are all about dogs”. “Só falava de cães, o que não mudou, piorou”, brinca. A premissa acabaria por inspirar o nome da escola de treino que criou, em 2004.
A “It’s all about dogs” não tem um espaço físico. Cláudia trabalha com os animais nas suas casas – é lá que passam grande parte do tempo – ou em locais onde demonstrem comportamentos menos correctos (na rua se puxam demasiado a trela, perto da casa da vizinha se não param de ladrar ao cão).
O método que usa premeia mais os bons comportamentos do que castiga os maus. É aquilo a que chamam treinar por “reforço positivo”. “O tipo de relacionamento que se consegue construir é algo que só quem experimenta percebe”, garante.
E que caia a ideia de que “os treinadores positivos são uns utópicos que se agarram às árvores, dão beijinhos aos cães e nunca os punem”. A diferença é que não o fazem com violência, coleiras que estrangulam ou qualquer coisa que cause medo ao animal.
Mesmo porque, relembra, “90% do tempo os nossos animais têm comportamentos muito aceitáveis, nós só nos lembramos de falar com eles quando se portam mal”.
Muito importante: “Nem toda a gente deve ter um cão. Há pessoas que nem um peixinho deviam ter.” O caminho da mudança ainda é longo, as barreiras a derrubar são muitas. E Cláudia ainda espera um empurrão vindo de cima: “A nossa lei não ajuda quando diz que os cães são objectos. Ao catalogar um animal como um objecto muitas pessoas acabam por tratá-lo como tal.”

in P3 Público

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