quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Marafonas de Monsanto em vias de extinção

"Nasceram em festas pagãs e ainda hoje há quem não dispense a sua protecção, mas as marafonas de Monsanto estão em risco de extinção. O Diário XXI conheceu as últimas artesãs, numa aldeia com valor turístico, mas ainda em busca das fórmulas de rejuvenescimento e prosperidade. O presidente da Junta pede aos proprietários de casas em ruínas para as venderem mais baratas, para atraírem novos residentes.
Sempre pronta para contar a história das marafonas a quem chegar e a quiser ouvir, Maria da Ressurreição Rolão é conhecida em Monsanto por ser a senhora de cabelo muito branco, sorriso rasgado e, claro, por fazer marafonas. As mais genuínas, dizem. Quem subir a rua dos Penedos Juntos, lá no cimo da íngreme rampa, vai encontrar um quintal com uma cerejeira, de frente para a casa que um dia será a Casa Museu de Zeca Afonso. Subimos e lá está Maria da Ressurreição Rolão, vestida de preto apoiada na grade. “Está de atalaia [vigia], ti Maria?”, pergunta um homem de meia idade com o carinho de quem se conhece há muito tempo.

Já na última escada antes da casa, Maria da Ressurreição Rolão pergunta ao que vamos e despede-se do vizinho com um aceno, dizendo até logo. Na calma dos seus 81 anos, pede que nos abriguemos do sol e senta-nos num banco de pedra. À vista, no chão, está um tabuleiro com três pequenas marafonas concluídas no dia anterior.
“Acabei-as ontem”, diz. Debaixo das bonecas estão folhas A4 impressas a cores com a lenda das bonecas de trapos. Feitas a partir de dois paus dispostos em cruz, as marafonas são bonecas sem rosto. “No meu tempo de solteira ninguém ia ao Castelo [de Monsanto] sem levar marafona, mas ninguém tinha marafonas vestidas em casa”, lembra a artesã. “Isto era tão pobrezinho que não tínhamos dinheiro para comprar tecido e vestíamos as marafonas com os fatos dos bebés”, conta a antiga camponesa que, depois da reforma, há coisa de 20 anos, usa as mãos, não para amanhar a terra, mas para fazer bonecas de trapos sem olhos, boca, nariz, nem ouvidos. “Não têm rosto, nem se lhe pode pôr, porque é uma moda tão antiga que se a gente lha puser dá cabo da tradição”, explica Maria da Ressurreição Rolão.
A Lenda
A palavra marafona tem origem árabe e quer dizer mulher enganadora. Outros significados para a palavra são boneca de trapos, prostituta ou mulher desleixada. No caso das bonecas de Monsanto, são usadas numa tradição pagã, a festa do Castelo (ou das cruzes) celebrada a 3 de Maio (se o dia calha durante a semana, a festa transita para o domingo seguinte). “Durante a festa, as raparigas casadoiras bailam com as marafonas. Quando regressam a casa colocam-nas em cima da cama para afugentar as trovoadas. No dia do casamento colocam-nas debaixo da cama para terem felicidade conjugal e fertilidade”, conta Maria da Ressurreição Rolão.
Viúva há quatro anos, anda amparada com uma bengala. Já não vai ao campo apanhar os paus de oliveira e amieiro com que faz as cruzes que mais tarde veste. “O meu marido deixou-me muitos paus já arranjados e são aqueles que utilizo para fazer as marafonas”, refere. Ao certo não sabe quantas marafonas já lhe passaram pelas mãos. Recorda com carinho as arraianas [originais] com fato do rancho que se usava nas festas, mas que deixou de fazer há cinco anos. “Essas tinham um saiote pregado, um avental preto, um xaile e um lenço atado à cabeça e podem levar uma semana a fazer”, explica. “Recentemente fiz uma para oferecer, mas há uns cinco anos que não vendo nenhuma. Ninguém paga esse trabalho”, lamenta a artesã que cobrava, em média, cinco contos por uma arraiana. ”Hoje ninguém paga 25 euros por uma boneca”. Uma boneca de trapos com as características originais, mas com fatos mais garridos e fáceis de costurar, varia entre os cinco e os 10 euros. Maria da Ressurreição Rolão já não se importa com o dinheiro. “Lucro, lucro não dá muito. Dá pouco. Se formos deitar contas ao tempo, não daria, mas como temos tempo livre, vamo-nos arranjando”, concluiu a artesã que, amparada na bengala, se preparava para descer a ladeira até ao centro da aldeia para comprar peixe para toda a semana.
Maria Alice Gabriel, 75 anos, vendedora: “Com tantos turistas que por aqui passam, vende-se pouco”Proprietária da casa de artesanato mais antiga de Monsanto, Maria Alice Gabriel, 75 anos, diz que o negócio vai de mal a pior. “Com tantos turistas que por aqui passam, vende-se pouco. Muito pouco”, desabafa a proprietária do estabelecimento onde convivem, lado a lado, gelados, garrafas de água no chão, marafonas, adufes, enchidos, queijos e loiça pintada à mão com motivos alusivo à Aldeia Mais Portuguesa - condecoração atribuída pelo Secretariado Nacional da Propaganda, dirigido por António Ferro, em 1938. “Quem passa leva sempre alguma coisa, mas o negócio está fraco. Preferem miudezas”, diz a vendedora que é também artesã. “Aprendi a fazer bonecas com a minha avó que era moleira. Quando vinha vender a farinha a Monsanto, moída de ano a ano quando os ribeiros iam cheios, trazia a farinha e as marafonas para vender”. “Eu fiquei com o bichinho para as fazer também”, recorda Maria Alice Gabriel, que usa pau de freixo para fazer as bonecas que são o seu entretém em cada noite. “Fecho as portas [da loja], os meus quatro filhos não estão cá - têm todos curso superior - e à noite entretenho-me a fazer marafonas” para vender na loja e também para satisfazer encomendas. “Enquanto Deus me der vida e saúde, vou fazendo, mas quando eu e outras senhoras daqui de Monsanto deixarem de fazer, a tradição corre o risco de se perder. Não há gente nova a querer pegar-lhe”, lamenta.
Junta pede aos proprietários para baixarem valores, por forma a atrair residentes e renovar imóveis: “Temos gente a procurar casa, mas com estes preços fogem”.
O edifício multiusos de Monsanto, em construção à entrada da aldeia, vai albergar um posto médico, uma garagem (para retirar as viaturas das estreitas ruas da aldeia) e um restaurante panorâmico. A data para a conclusão das obras ainda não é conhecida, refere o presidente da Junta de Freguesia, Adelino Andrade Régio. O autarca reconhece que o número de visitantes da aldeia tem aumentado nos últimos anos, mas a sua grande preocupação são as casas antigas e em ruínas. “Estão a ser vendidas a preços exorbitantes”, refere.
-Na aldeia existem muitas casas à venda, algumas há mais de cinco anos. Porque é que tem sido difícil vender estas casas?
- As pessoas aqui não vendem por qualquer preço. As casas na zona histórica talvez estejam um pouco inflaccionadas. Pedem-se valores que, provavelmente, não correspondem ao valor real. As pessoas em vez de gastarem 30 ou 40 mil contos numa casa aqui em cima e outro tanto para a recuperarem, preferem comprar fora da aldeia
- Os preços estão muito inflacionados?
- Claro que estão. As pessoas têm de se mentalizar que a fase em que as pessoas compravam a qualquer preço terminou. Hoje as casas que estão à venda, a grande maioria delas, são de pessoas que não precisam do dinheiro para comer o pão todos os dias e não estão interessadas em vender.
- A que preços?
- Há aí quem peça 50 e 60 mil contos por uma casa a cair. Um dia as pessoas vão perceber que não vale a pena pedir muito dinheiro, porque não há quem pague. Nós temos muita gente a procurar casa, mas com estes preços as pessoas fogem, como é óbvio.
- O que é que a Junta de Freguesia pode fazer nestes casos?
- Nada. As casas têm dono e nós só podemos pedir moderação no dinheiro que pedem, mas não podemos intervir neste mercado. O único apelo que posso fazer é que as pessoas vendam as casas por preços razoáveis
- O que é considera ser um preço razoável?
- Os preços que estão a ser pedidos são exorbitantes. A Junta de Freguesia preferia ter as casas recuperadas e devidamente arranjadas do que ter muitas em ruínas como se vê por aí. E depois ninguém está interessado em fazer comunicações para a protecção civil ou para a câmara a dizer que determinada casa está em ruínas, quando pode haver privados interessados em comprar. Se uma casa cair, entupirá uma via que nos faz muita falta.
- Têm acontecido muitas situações dessas?
- Não digo muitas, mas algumas já aconteceram.
- As casas são de pessoas que vivem aqui permanentemente ou que se deslocam esporadicamente a Monsanto?
- Umas são de filhos da terra, pessoas que trabalham fora, mas que passam aqui as férias em casas que herdaram das famílias, outras são pessoas que aqui compraram porque gostaram da terra e resolveram aqui investir neste refúgio. Há de tudo.
“Somos uma aldeia envelhecida e temos dificuldade em inverter esta tendência”.
- O fluxo turístico tem aumentando em Monsanto, nos últimos anos?
- Tem havido muito mais gente a visitar-nos. Uns por influência daqueles que já cá estiveram, outros, especialmente estrangeiros, por acção da Naturtejo e do Geoparque, porque a nossa imagem é difundida nos estrangeiro.
- A aldeia tem ganho população?
- Não, infelizmente não. Somos uma aldeia envelhecida, mas esse é um problema generalizado e temos dificuldade em inverter esta tendência.
- Qual é a principal entidade empregadora da aldeia?
- É o lar da terceira idade que emprega uma grande quantidade de gente jovem, em idade fértil e que são o grande manancial de crianças que frequentam a escola primária. Este tipo de estruturas que criam emprego novo é que nos interessam.
- A escola primária aqui ainda funciona?
- Temos a escola e infantário em funcionamento. Na escola estão 13 alunos e no infantário dez.
- Existe um edifício em construção à entrada da aldeia. A que é que se destina?
- É um edifício multiusos para instalar o novo posto médico, porque o actual não tem condições mínimas. Além do posto médico esse edifício vai dispor de garagens subterrâneas para meter os carros que visitam a aldeia, sobretudo ao fim-de-semana, para não termos as ruas atulhadas de carros. No topo vai ter um restaurante panorâmico."

Francisco Cardona
In site:
http://www.diarioxxi.com

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá, gostava de ter o contacto da responsável por esse blog.
O Assunto sobre as Marafonas me agrada imenso, e gostava de saber mais sobre a festa de Maio.
meu contacto é rodrigoleal.nunes@hotmail.com

abraços
Rodrigo Nunes

Maria Lua disse...

Boa tarde Rodrigo,

não sei muito mais sobre as Marafonas e a festa de Maio, a não ser o que pesquisei e encontrei, quer na web, bibliotecas e imprensa. Penso que poderá pesquisar por Monsanto e entidades competentes ou mesmo Marafonas, tenho a certeza que irá encontrar algo.
Não sei se ajudei, mas é o que posso fazer de momento.
Obrigado pela visita.