quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Uma Crise (meramente) literária

"Há ideias feitas, lugares comuns e terríveis mentiras que entram nas nossas vidas de tal forma que mesmo depois de denunciadas e desmentidas persistem em colar-se-nos à pele. Uma das mais frequentes diz respeito ao negócio dos livros em Portugal. Foram tantos anos a ouvir editores, autores, jornalistas, a encostarem a palavra “crise” ao mundo da edição, que a ideia pegou de estaca e não o larga mais. É como identificar o Porto com o vinho adocicado: faz parte e é óbvio.
Quinta-feira, na revista Visão, a jornalista (sénior...) Ana Margarida Carvalho, num trabalho sobre a nova livraria Byblos (investimento do projecto: 5 milhões de euros...), lá vem com a frase fatal: “Pode parecer paradoxal tanto investimento num apregoado sector em crise”. E a seguir o eterno argumento da iliteracia.
Crise? Qual crise?
De uma vez por todas: foram vendidos 530 milhões de euros em livros no ano 2006; importaram-se 62 milhões de euros de livros no mesmo ano; editam-se em Portugal mais de 15 mil títulos por ano (41 livros por dia!); o break-even médio de um volume situa-se nos 2000 exemplares vendidos (ou seja, é mais fácil editar um livro e não perder dinheiro do que ver o Benfica ganhar a liga num período de 10 anos...).
Outros números discretos: entre os clubes com maior número de sócios encontra-se o Circulo de Leitores. Tem 300 mil quotizados que se obrigam a comprar pelo menos um livro por trimestre. O novo grupo editorial Leya, que reúne um vasto conjunto de editoras de todos os estilos, anunciou na semana passada a intenção de, em 2008, editar mil novos títulos e facturar 90 milhões de euros. O mesmo grupo anunciou que em 2007 facturou 20 milhões de euros exportando livros escolares para Angola e Moçambique.
(De passagem: as vendas brutas de “Rio das Flores” representam, ao fim de dois meses, um encaixe de 4,5 milhões de euros na Oficina do Livro; e as vendas de “Sétimo Selo”, de José Rodrigues dos Santos, foram responsáveis por mais de 2,6 milhões de euros de facturação na Gradiva...)
Factos incontornáveis: abrem editoras novas a todo o momento. Não se ouve falar no fecho de editoras antigas. Há grupos financeiros a comprar editoras – não vejo grupos a vendê-las. Há editoras a investir em Portugal (o exemplo “Esfera dos Livros” é exemplar), não vejo desinvestimento.
Há mais FNAC’s do que alguma vez o grupo sonhou abrir neste cantinho, nasceu a Byblos, 2008 trará novos espaços comerciais.
O livro, em Portugal, está de boa saúde e recomenda-se. Os editores “choram-se”, porque lhes está na massa do sangue a queixa e a lamúria. Os livreiros queixam-se – mas conhecem algum comerciante que não faça outra coisa senão queixar-se e cuja frase chave não seja “este ano piorou muito...”? Queixam-se os autores, mas só aqueles que vendem pouco (infelizmente a maioria). E por fim reclamam os críticos, porque na verdade os livros que mais vendem e justificam todo este movimento financeiro não são aqueles que eles mais valorizam. Mas também esse fenómeno é um clássico.
Dito isto, era altura de aceitar pacificamente que o mercado do livro em Portugal vive melhor do que a maioria dos seus familiares, nomeadamente a música ou o teatro. Vive o melhor possível. Neste momento cheio de vitalidade. E a nadar em oportunidades. Quem as tiver, chame-lhe suas."

Pedro Rolo Duarte
In blogue Pedro Rolo Duarte

4 comentários:

mjoão disse...

Fiquei só no outro dia com uma percepção clara que de facto é díficil os novos escritores/autores entrarem no mercado literário, uma vez que há títulos demais!
Em Portugal: 250 títulos/livros por semana (nacionais e estrangeiros), o que dá 13 000 livros por ano!

Maria Lua disse...

Mjoão,

exactamente!
Por isso, os novos escritores têm de ser muito, mas muito persistentes (como tu) se querem "singrar" no meio.
:-)

mjoão disse...

Não tenho aspirações a ser escritora, só a saber um pouco mais de escrita :)

Maria Lua disse...

Exactamente!
Beijinhos