Um adeus à Ribeira de Odelouca
Foi mesmo o último passeio no Vale de Odelouca.
Um grupo de mais de 60 pessoas, entre as quais alguns artistas, participou num passeio que foi ao mesmo tempo uma homenagem e uma despedida.
"Foi mesmo o último passeio: dentro de poucas semanas, o empreiteiro da obra da Barragem de Odelouca deverá começar a desmatar a zona junto à Ponte da Sapeira, perto de São Marcos da Serra, onde, no sábado passado, mais de seis dezenas de pessoas começaram um percurso de doze quilómetros à descoberta desta zona do vale da Ribeira de Odelouca.
A Sapeira, uma pequena aldeia de casas dispersas à beira da estrada serrana que liga Silves a São Marcos, ficará fora da zona a submergir pelas águas da albufeira. Mas o mesmo não acontecerá mais à frente, nas zonas do Monte Branco ou da Foz do Carvalho. O senhor Manuel e a sua mulher vivem «há mais de 40 anos» na casa empoleirada numa encosta nas margens da Ribeira de Odelouca. «Ali em baixo, cultivei muita horta. Mas agora querem que a gente saia daqui», lamentava o agricultor, cuja casa e terras vão ficar debaixo de água. «E dão-nos quase nada por isto que tem sido a nossa vida», acrescentava a esposa, com os olhos húmidos de lágrimas.
Um pouco antes, no caminho para a Foz do Carvalho, mora uma senhora sozinha, numa casa branca de cal rodeada de canteiros de flores. «Vivo aqui há tantos anos…para onde querem que vá agora?», perguntava às suas visitas inesperadas de sábado passado.
Estas duas casas ficam na zona percorrida pelo grupo de mais de 60 pessoas participantes no «passeio artístico» promovido pelo Núcleo do Algarve da Liga para a Protecção da Natureza. «É uma espécie de despedida desta paisagem e destes habitats», explicava Alexandra Cunha, presidente da LPN Algarve. «A batalha da barragem nós perdemos, mas a nossa luta serviu pelo menos para conseguir compensações ambientais nunca antes conseguidas numa obra deste género».
Jorge Palmeirim, que era presidente da direcção nacional da associação quando a LPN e outras ONG do ambiente apresentaram a Bruxelas uma queixa contra a Barragem de Odelouca, salientou mesmo que «esta foi a obra mais sobre-compensada em termos ambientais». Se não fosse a luta das ONG, sublinhou, não se teria conseguido, por exemplo, a criação do Centro de Reprodução em Cativeiro do Lince-Ibérico, que se espera que seja a rampa para reintroduzir na serra algarvia, dentro de poucos anos, aquele que é o felino mais ameaçado do mundo.
Entre os freixos de folhas verde-brilhante, os salgueiros de um verde acinzentado, os cheiros da hortelã-da-ribeira ou do rosmaninho, a água fresca da Ribeira de Odelouca, os artistas convidados filmaram, fotografaram e colheram inspiração para futuras pinturas, desenhos e esculturas. Tudo isso, à mistura com sementes recolhidas no vale, há-de ser, no futuro, introduzido numa «cápsula do tempo ou da memória», a ser colocada no fundo da barragem, para que os algarvios do futuro saibam, daqui a uns valentes anos, que houve quem se preocupasse com o desaparecimento de mais um recanto do Algarve.
A terminar, Afonso Dias, sentado no meio da erva, declamou dois poemas, um de António Pedro, outro de Natália Correia. Ficou no ar um cheiro a nostalgia."
Elisabete Rodrigues, da LPN Algarve (18.04.2008)
In site LPN
Sem comentários:
Enviar um comentário