terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sábias Palavras de um Mestre: Gonçalo Ribeiro Teles

"Falemos da importância dos espaços verdes...
São fundamentais para a cultura das pessoas. As cidades crescem de tal maneira que não poderão ser sustentáveis sem uma circulação da água, do ar, uma circulação da matéria orgânica, sem serem um recreio para as pessoas. A paisagem que existia à volta das cidades desapareceu. É preciso recuperar a função que o campo tinha à volta e dentro das grandes cidades.

E ainda vamos a tempo?
Não temos outro remédio. Senão a cidade desaparece. O espaço verde deve passar a ser também o espaço de produção da cidade.(...)

Acha que há consciência clara desse problema, dessa urgência?
Ainda estão todos muito alheados como se pode ver pela propaganda imobiliária, com aqueles jardins com palmeiras, com senhoras deitadas ao lado da piscina, o condomínio. Esta, ainda é a referência que as pessoas têm, uma referência errada, dramática, sem futuro.

Os prédios de muitos andares, fazem-me sempre lembrar a Cidade e as Serras, aquela descrição feita pelo Eça no livro...
É terrível. Os edifícios de oito e nove pisos acabaram com os jardins, com os quintais. E depois, a maior parte das vezes, as ruas nem têm lojas, uma pessoas sai à rua é assaltada e acabou. A rua, o quintal, é fundamental na estrutura urbana. Este tipo de edifícios, criam problemas graves de saúde, de recreio, de relação entre as pessoas e o meio. Se a estrutura urbana sobe em altura, tudo isso desaparece, não se respira, o equilíbrio psicossomático das pessoas é afectado. Não há qualidade de vida.

Qual é a solução para o caos das periferias?
Deitar abaixo. Deitar abaixo e recuperar com construções com outra modernidade sobre o entulho, para não se afectar as zonas que ainda não foram destruídas e que são necessárias para o tal abastecimento alimentar. Isto já se está a fazer. É preciso criar uma política de demolição. Não precisamos de mais casas, precisamos de casas melhores e mais económicas. Não se pode ocupar mais espaço fértil.

As pessoas acomodam-se?
As pessoas adaptam-se. A maior parte tem problemas de vida muito graves, têm que lutar pela sobrevivência. Outra está ainda perturbada pelo espectáculo da imobiliária.

Por que é que somos o país da Europa que menos recupera imóveis?
Para construir mais imóveis que não servem para nada. Se houver recuperação a construção deixa de fazer sentido. Sabia que somos o país que tem mais auto-estradas por habitante? Estamos ricos em auto-estradas. Porque acham que é preciso construir mais. E isto leva ao drama da morte das aldeias. A desertificação humana do território contínua a aumentar. As escolas fecham, não pode haver crianças na aldeia, fecham os centros de saúde. Depois, aparecem aquilo a que se chama florestas e que não são florestas nenhumas, mas povoados mono específicos de eucalipto ou pinheiro bravo e, como é óbvio, ninguém fica lá para os ver crescer.

Qual é a solução?
Recuperar coisas humildes, temos uma cultura franciscana interiorizada. E começar por coisas franciscanas é começar por recuperar a agricultura de subsistência regional e local. Recuperar as aldeias, o resto vem por acréscimo.

O que é ter qualidade de vida?
Há uma qualidade de vida que resulta da sustentabilidade. Mas a questão encontra-se sobretudo na liberdade de se ser Homem. Qualidade de vida não é só ter o frigorífico em casa, é a relação consigo próprio, com os outros, com a comunidade. Se assim não for, estamos bem arranjados."


In revista Perfumes & Co - Junho/Julho 2008

3 comentários:

Paulo J. Mendes disse...

Tenho uma grande admiração pelo autor destas e de outras palavras carregadas de sabedoria, mas que desde há décadas se fazem ouvir em vão, enquanto o País se vai afundando em alcatrão e cimento...
É mais um recurso, neste caso um inestimável e precioso recurso humano, que nos damos ao luxo de desperdiçar.

Anónimo disse...

concordo inteiramente com estas palavras.

Maria Lua disse...

Paulo e Cândida,

obrigado pela visita. Realmente são palavras sábias mas, como o Paulo referiu, continuamos a desperdiça-las...
Um País de mentalidades bem pequeninas este!
;-)