terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Letras

"Desta vez queria ser o rico, o benfeitor, o anfitrião, o mestre e tu, guiada pelo meu amor e pelos meus desvelos, vinhas até a mim para te regalares com os faustos da minha hospitalidade. Mas eis que de novo dava comigo diante de ti como o mais ínfimo dos mendigos, no rebordo mais exterior do teu ser que repousa sobre colunas tão largas e tão sólidas. Engalanar de festa as minhas palavras habituais não servia para nada. Sentia-me cada vez mais ridículo na minha mascarada, e subia obscuramente dentro de mim o desejo de me ir esconder nas profundezas do nada. Tudo em mim não passava de vergonha e de confusão. Cada novo encontro humilhava-me. Compreendes? Dizia a mim mesmo sem cessar: «Não te posso dar nada, absolutamente nada; o meu ouro transforma-se em carvão quando to estendo na minha mão, e esse acto esgota-me». (...) Não queria ser estreitado por ti; devias poder apoiar-me em mim quando estás cansada. Não queria ouvir as tuas consolações, mas gostava de possuir a capacidade de te consolar, se necessário fosse."

Rilke, Tagebücher aus der Frühzeit, ed. Ruth Sieber-Rilke e Carl Sieber, Leipzig, Insel, 1942, p. 114
In livro "Lou Andreas-Salomé", de Stéphane Michaud - Edições ASA

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