sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cinema
"Lisboa Domiciliária" - rostos de quem faz Lisboa
de Marta Pessoa
Uma realidade não só em Lisboa, mas por todo o país. A não perder!

“Lisboa Domiciliária” é um documentário com sete rostos. Sete idosos, escondidos atrás das paredes das casas lisboetas. Vivem em isolamento. A realizadora Marta Pessoa entrou nas suas vidas e mostra-as neste documentário que se estreia dia 16 de Setembro. O METRO esteve com ela e mostra-lhe mais sobre este projecto.

Como nasceu a ideia de fazer este documentário?
A ideia era mais sobre o isolamento em que as pessoas vivem devido a variadas circunstâncias. Eu tinha um caso próximo, o da minha avó, tinha 94 anos, e sempre fora bastante independente, gaiteira, andarilha, gostava de ir ao café, comer o seu bolinho, e de repente ficou numa situação em que deixou de conseguir movimentar-se. Mas a ideia é mais antiga. Estudei no Conservatório, que era no Bairro Alto, e de repente questionei-me porque é que as pessoas que eu via nas ruas não eram as mesmas que via nas janelas. Mas também sei que este é um problema não é específico de Lisboa, existe no Porto, Coimbra, é característico das grandes cidades. Paris tem o mesmo problema, pelo tipo de arquitectura.

O projecto demorou muito tempo a ficar de pé?
Eu sabia que não podia bater à porta das pessoas, para lhes pedir ajuda. Iam chamar a polícia. Então percebi que tinha de ir às instituições de apoio domiciliário. Tive más surpresas, como a Santa Casa da Misericórdia que foi final na sua resposta negativa e rude. E eu estava à espera de alguma abertura ou diálogo, e não houve nenhum. A resposta foi: os nossos idosos não querem ser incomodados. Um resposta de pertença de alguém que fala por outra pessoa, o que me incomoda. Há ali um isolamento não só arquitectónico. Tive mais algumas respostas negativas durante uns quatro meses meses. Depois tive o “sim” dos Centros Sociais e Paroquiais das Mercês. Santa Catarina, Campo Grande e Voz do Operário que receberam bem o projecto

Como são estes idosos?
Conto a história dos idosos, são mais mulheres do que homens, elas são todas viúvas, o que reflecte o que acontece na nossa sociedade. As mulheres vivem mais. E é claro que com muita idade, existem mais dificuldades em subir ate um 3º ou 4º andar.

Como foi o primeiro contacto e entrar em casa destes idosos com as câmaras?
Não comecei logo a filmar. Ao início foi mais uma visita, muito pouco a ver com cinema, e houve um período sem câmaras, sem máquinas fotográficas, mas já com as pessoas que entravam no filme. Para também não sentirem que tinham sempre lá a câmara. Para não ser muito intrusivo.

Como estão os idosos a encarar a estreia do documentário?
O filme já foi feito há algum tempo. Entre 2007 e 2009. Alguns deles já faleceram, estavam muito debilitados. O filme já teve uma ante-estreia no Doclisboa e nessa altura fora contactados e viram o filme. Uma das senhoras, a D. Isabel, ao ver a parte dela fez um comentário muito engraçado. Disse “Eu neste dia estava muito rabugenta”. Uns gostaram, mas há sempre aquele comentário “Ai que estou tão velha!”. Mas os que viram receberam bem.

Quem é que ainda está vivo?
Três. A Vera, Beatriz e Arminda. Este filme foi feito sem financiamento nenhum. E era difícil entrar em casa das pessoas, falar do filme e dizer “Agora vamos esperar dois anos até haver dinheiro para filmar”. Eles tinham urgência, já todos tinham muita idade. E eu urgência em mostrar as historias deles. Criei laços com estas pessoas muito fortes, mas eu sabia que provavelmente quando o filme estreasse alguns já não o iam ver. Mas a verdade é que esta é uma projecção do que existe. Mostro estes idosos, mas há milhares de pessoas nestas situação em Lisboa.

Houve algum momento que a tenha marcado mais?
Não consigo responder. Todos me marcaram de formas diferentes. Há situações mais angustiantes, que têm a ver com o nosso caminho. Identifico-me muito com o Sr. Vasco, porque ele não é capaz de ir para a rua sem destino. Eu compreendo-o, só saio com alguma razão. A D. Felicidade não gostava de interagir, sempre foi muito solitária. Nunca quis ir para um centro de dia. Porque não gosta de dançar o vira, de fazer recortes. E mais uma vez pensei, eu também não gosto. E a minha avó também detestava. Ou então a D. Arminda que há um momento em que está a comer e está a tirar esparguete com uma colher. E penso, aquilo tira-se bem é com um garfo. E ela também já soube isso e eu senti naquele momento que ela tinha perdido a capacidade.

Maria Helena, no documentário, era uma pessoa cheia de vida. Cantava, ouvia música. Mas é uma das que já faleceu...
Aquela força e predisposição para comunicar era uma vontade muito grande, e a doença era outra enorme. Há quem se deite e há quem cante. Ela cantava e ouvia musica e tentava viver ao máximo.

Eles todos partilham a ideia de não querer ir para um lar...
É uma questão económica. Todos têm pensões mínimas e quase todos vivem em casas alugadas. Historicamente, estes prédios pombalinos recebiam nos andares de cima, as pessoas com mais dificuldades. As casas são pequenas, mas as rendas são baixas porque as pessoas estão lá há anos. Ora se são baixas, os senhorios não podem fazer obras e eles têm umas pensões tão baixas que não conseguem mudar de casa. Na verdade, estes idosos não se importariam de mudar de casa e ir um prédio com elevador. Porque é tão simples assim. Já iriam à rua. Os lares é uma solução cara e não querem. Na Bélgica, um lar é muito barato e as pessoas não têm tanto apego a casa, é já um costume. Cá os lares são caros e estão sobrelotados, as pessoas que prestam auxílio deixam a desejar, a sua formação não é a melhor.

Que mensagem pretende transmitir?
Não transmito. Digo: vão ver e sintam-se “mensajados”. Não sou capaz de mandar nenhuma mensagem. Está tudo lá, tudo o que me quiseram mostrar. Que foi muita coisa.

O que ganhou?
Ganho, continuo a pensar muito neles. Eles não são entidades abstractas, e todos os dias aprendi coisas novas com eles.

Patricia Tadeia
In Metro

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