A Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) é um dos instrumentos mais importantes da política de ambiente e ordenamento do território. Decorrendo de legislação comunitária, a AIA pretende ter um carácter preventivo, sendo uma forma privilegiada de promover o desenvolvimento sustentável através de uma gestão que se pretende equilibrada mas rigorosa dos recursos naturais e da paisagem, assegurando a protecção da qualidade do ambiente e a promoção da qualidade de vida.
A realidade porém tem sido muito diferente, procurando o Estado quase sempre viabilizar projectos impondo condicionantes mas dando quase invariavelmente parecer favorável, o estímulo à participação da população deixaram de existir há anos, a integração das opiniões de organizações não governamentais ou de muitos especialistas é, na maioria dos casos ignorada, porque a decisão política está já tomada antecipadamente, servindo a AIA de mero pró-forma.
Consulta pública limitada ou mesmo impraticável – resumo não técnico na internet é manifestamente insuficiente
Os estudos de impacte ambiental são disponibilizados na sua versão completa na Agência Portuguesa de Ambiente, nos organismos regionais do Ministério do Ambiente (CCDRs ou DRAs), e nas câmaras municipais do concelho ou concelhos onde se localize o projecto. Com um horário limitado, é praticamente impossível à população e associações deslocarem-se até estas entidades, limitando-se assim geralmente apenas à consulta do resumo não técnico disponibilizado electronicamente.
O próprio acesso aos processos de avaliação de impacte ambiental que estão em consulta pública é complicado dado que não há uma base de dados central. Algumas avaliações de impacte (de acordo com o definido na legislação tendo em conta a dimensão do projecto) são coordenadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), mas muitas outras são coordenadas pelas Comissões de Coordenação Regional ou pelas Direcções Regionais (casos de Madeira e Açores), e o conjunto de todas elas não está presente num único local na internet para consulta centralizada.
A Portaria nº 330/2001, de 2 de Abril define em detalhe o conteúdo dos estudos de impacte ambiental, mencionando apenas no caso do resumo não técnico a preparação do mesmo para divulgação via internet. De acordo com o nº 8 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio, “O EIA é apresentado em suporte de papel e, sempre que possível, em suporte informático selado”. Desde Janeiro de 2006, apenas três estudos foram integralmente disponibilizados via internet pelos proponentes (novo aeroporto de Lisboa, barragem de Foz Tua e novos parques de campismo da Caparica).
A Quercus considera assim que o Estado e os sucessivos Governos são os principais interessados em limitar a consulta pública que pode sempre originar alguma contestação, algo que deve ser ultrapassado pela disponibilização completa pela Agência Portuguesa do Ambiente do conteúdo digital dos estudos de impacte, para além de um novo esforço de debate dos projectos com a população através de sessões públicas (desde Janeiro de 2006, de acordo com o sítio internet da Agência, apenas dois estudos relativos à alta velocidade ferroviária tiveram sessões de discussão com a população).
94,2% dos estudos sujeitos a decisão final têm parecer favorável condicionado
A Quercus analisou o conjunto de processos de avaliação de impacte ambiental, que integram os respectivos estudos de impacte, coordenados pela APA desde 1 de Janeiro de 2006 até à data (tratam-se dos projectos de maior dimensão e, à partida, aqueles com maiores impactes).
De um total de 402 processos, em relação a 11 considerou-se que havia desconformidade do EIA, isto é, os conteúdos do mesmo não respeitavam a exigência da lei, 21 tiveram parecer desfavorável e 360 tiveram parecer favorável condicionado e, curiosamente, apenas 1 teve parecer favorável (isto é, não condicionado – tratou-se de uma exploração avícola em Ferreira do Zêzere). Considerando apenas os projectos objecto de decisão, 94,2% tiveram parecer favorável condicionado, 0,3% parecer favorável e só 5,5% parecer desfavorável.
Estes resultados mostram que o grau de deferimento de projectos é extremamente elevado, quando em muitas situações há ocupação de Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional, ocupação em Rede Natura, impactes significativos em termos de paisagem, conservação da natureza, ou mesmo das populações, que apesar de denunciados na consulta pública, acabam contemplados em medidas de minimização que não são em geral, nem de perto nem de longe, comparáveis com a não implementação do projecto, para além de depois nem sequer serem fiscalizados.
Qualidade dos estudos tem regredido e interesse da população tem diminuído
Actualmente a avaliação de impacte ambiental é um processo que não envolve a sociedade civil, sendo encarado, à excepção de alguns projectos que merecem maior mediatismo, como uma mera formalidade na viabilização das intenções de construção. A qualidade dos estudos tem regredido, os técnicos dedicados são escassos e, após a emissão da declaração de impacte ambiental, o acompanhamento da obra é praticamente inexistente. Em alguns projectos, acontece mesmo que o acompanhamento da obra é realizado pelo próprio promotor, o que desvirtua completamente a fiscalização e a pós-avaliação dos projectos.
A Quercus apela assim ao Ministério do Ambiente para credibilizar a avaliação de impacte ambiental, sendo que um dos aspectos por onde se deve começar é pela alteração da Portaria que estabelece o conteúdo dos estudos de impacte ambiental, obrigando à respectiva disponibilização pelo promotor em formato digital, e à publicação na internet desses mesmos estudos, no início da fase de consulta pública, por parte das competentes entidades públicas coordenadoras.
in Quercus
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