quinta-feira, 28 de junho de 2012

Régua - No coração do Douro Vinhateiro

Uma das mais bonitas viagens de comboio da rede portuguesa com o objetivo de visitar Peso da Régua, capital do Douro Vinhateiro, Património da Humanidade
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Aqui está um caso em que se consegue juntar o útil ao agradável. Há mil e uma razões para visitar a Régua, desde a gastronomia ao Vinho do Porto. Mas a viagem ferroviária, sobretudo entre Mosteirô e Régua vale por si mesma, com uma visão quase cinematográfica do rio e dos socalcos onde se cultiva o mais famoso vinho do mundo. Não há melhor forma de apreciar esta paisagem que da janela de um comboio. Uma hora de percurso à beira Douro que vale a pena repetir mil vezes.
Apesar dos progressos da rede rodoviária portuguesa, o comboio continua a ser o grande meio de transporte para visitar o Douro Vinhateiro, Património da Humanidade e, por extensão, a cidade da Régua. Aquilo que na estrada é uma sucessão de curvas pronunciadas e de rampas íngremes, aqui passa a ser uma tranquila fruição da paisagem a partir da janela direita (no sentido da marcha) da carruagem. Vinhedos, quintas e margens do Douro enchem os sentidos do viajante e transformam-se numa experiência gratificante.
Mas se a viagem quase poderia ser um fim em si mesmo, na Régua há muito para ver e apreciar. Uma boa parte do crescimento da cidade foi determinado pela produção e distribuição do Vinho do Porto e essas marcas estão bem patentes, quer nos cais e armazéns ribeirinhos, quer na interessante arquitetura da Casa do Douro. Depois, são as festas anuais e sua animação, desde a véspera de Santo António na sede do concelho, à celebrada festividade dedicada a Nossa Senhora do Socorro pelo 15 de Agosto. Sem esquecer a gastronomia, generosa e pujante, como, por exemplo, Miguel Torga a descreveu. E a toda a volta uma natureza transformada pelo homem mas grandiosa e empolgante no espetáculo dos vinhedos a treparem encosta acima, enchendo o horizonte de cores tão diversas como a sucessão dos dias do ano.
Esta viagem de comboio à Régua tem, claramente, duas partes distintas. A primeira – nunca é de mais insistir – é o passeio de comboio propriamente dito, talvez o mais bonito da rede ferroviária portuguesa. É, de facto, um deslumbramento começar a descer de Marco de Canavezes para Mosteirô e, de repente, como que ver explodir a paisagem do Douro Vinhateiro, que passa a encher a janela direita da carruagem. É um deslumbramento de cores, padrões, cheiros e sons que só termina com a chegada à estação da Régua. Pelo caminho fica a estação das Caldas de Aregos (as termas ficam na margem contrária) evocativa da Tormes de «A Cidade e as Serras» (a Quinta de Vila Nova ainda hoje existe, estando ligada à Fundação Eça de Queirós). E, à passagem pelas Caldas de Moledo, já às portas da Régua, na outra margem avista-se a Quinta de Vale Abraão, celebrizada pelo romance de Agustina Bessa-Luís e pelo filme de Manoel de Oliveira.
Uma vez na Régua é outra viagem que começa. A própria estação tem personalidade e há edifícios curiosos como o grande armazém de madeira de planta curva, para além de poder ver algum material circulante antigo. Aqui poderá ter o primeiro contacto com os afamados rebuçados da Régua. Partindo deste ponto, há toda uma cidade e uma paisagem para descobrir. Comece, por exemplo, por fazer o passeio ribeirinho ao longo da margem direita do Douro, gozando o ambiente e apreciando as três pontes (a metálica que foi rodoviária e hoje aguarda reconversão para travessia pedonal; a de pedra, originalmente construída para uma linha de via estreita até Lamego e depois aproveitada pela rodovia; e. finalmente, o alto viaduto de betão da autoestrada A24). De resto, já que deambula à beira-rio considere a hipótese de fazer um cruzeiro, nem que seja de algumas horas, rio acima ou rio abaixo e não se arrependerá. Não faltam barcos amarrados aos cais e propostas de horários e preços. Depois, pode partir à descoberta da cidade, guiando-se por exemplo, pelas sugestões dos serviços municipais de Turismo. Retenha algumas das marcas do património local, como a Igreja Matriz do séc. XVIII a antiga sede da Real Companhia, futuro Museu do Douro, ou a Casa do Douro, belo exemplo de arquitetura civil com interessantes vitrais ilustrando a história da faina vinícola.
Está no coração do Douro Vinhateiro e não perca uma prova de vinhos (informe-se no Turismo e na Casa do Douro). Na hora da refeição não faltam propostas tentadoras e saborosas, quer numa linha mais tradicional (Cacho d’Oiro), quer numa mais moderna (Douro In).
A feira semanal é às quartas mas as grandes festas anuais ocorrem, seja pelo Santo António (13 de junho), seja pelo 15 de agosto, neste caso com os festejos em honra de Nossa Senhora do Socorro.
O artesanato está, em boa parte, ligado ao universo do vinho. É o caso das garrafas com rótulos de estanho ou das representações de transportes tradicionais, desde os carros de bois aos barcos rabelos ou aos cestos das vindimas.
Resumindo, uma cidade historicamente ligada ao Vinho do Porto, facilmente acessível de comboio e com muito que ver ao longo de todo o ano. O ideal para um fim-de-semana ou uns instantes bem passados com o comboio por companhia.

Miradouro grandioso
Estar na Régua e não ir de bicicleta, autocarro ou de táxi ver o miradouro de São Leonardo da Galafura (a caminho de Vila Real pela estrada do aeródromo) é quase um crime de lesa-majestade. Daqui tem-se uma das mais emocionantes e inesquecíveis vistas sobre o Douro Vinhateiro. Era um dos locais preferidos do grande Miguel Torga que sobre a Galafura escreveu diversas e sentidas impressões. Eis uma delas: «O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza. Socalcos que são passados de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor pintou ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis de visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta».

in CP – Comboios de Portugal

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