quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Passeio nas terras de Basto - À procura da Senhora das Camélias

Mesmo andando devagar, não é preciso mais de uma hora de condução, a partir do Porto, para se chegar a Celorico de Basto. Agora é fácil aceder a estas terras que espreitam o Tâmega lá em baixo, mas não há muito viviam fechadas sobre si mesmas, centradas quase exclusivamente na agricultura.
A primeira paragem da manhã tem um propósito definido: subir ao castelo e sentir a paisagem à volta. Em dias limpos sabemos que a visibilidade abarca o litoral, o que hoje não acontece. Mas é garantido que se consegue tomar o pulso ao Marão, essa linha divisória de personalidades fortes.

Identidade própria
As terras de Basto são uma espécie de enclave entre o Minho e Trás-os-Montes e não apenas por razões administrativas, que lhes atribuem diferentes distritos. Há uma afinidade a juntá-las, à sombra das montanhas que as envolvem. O verde intenso, da grande abundância de água, é recortado por lameiros - os muretes baixos de granito dividem a propriedade e ajudam a suster as terras - ou dá lugar a vinhedos. Este também é um bom pretexto para uma rota dedicada, conhecendo os produtores de vinho verde da região.
Hoje apetece dizer que outros interesses mais altos se levantam, a quase mil metros de altura. Seguimos caminho para Mondim de Basto, apenas a um quarto de hora de distância. Vamos por fim conhecer a mítica Senhora da Graça, que sempre ouvimos a propósito de ciclistas, na inclemência do calor de agosto, "numa etapa derradeira" da Volta a Portugal.
O monte Farinha - poucos o identificam pelo nome - ergue-se a 947 metros. No topo, o santuário roubou-lhe a identidade, tendo ficado conhecido como Alto da Senhora da Graça. Não é inequívoco mas pensa-se que cá no cimo terá existido uma cidade que abrigava os povos da montanha, antes de as legiões romanas lhes mudarem o destino, dois séculos antes de Cristo.
É fácil tornar longa a lista de lugares-comuns, enquanto se faz o retrato do que a vista abarca a esta altitude, mas é tempo de baixar para o sopé, onde se aninha Mondim de Basto. Antes ainda de deambular pela vila, descemos até ao rio Cabril, onde uma ponte medieval marca a antiguidade do povoado.

Camélias em flor
Na zona histórica há ruelas de granito, com recantos improváveis, como uma pequena casa onde uma camélia se entrelaça num limoeiro, protegendo a entrada. Conhecidas também por japoneiras, a denunciar-lhes a origem, as camélias foram-se mostrando ao longo do passeio. Damos conta da sua presença pelas flores, claro, quando tudo o resto ainda aguarda que o tempo aqueça para mostrar o colorido. Aqui vemo-las num conjunto curioso, as copas geometricamente aparadas a preencher a simpática Praça da República.
Uns metros depois, cheira a lareira, lembrando que já sabia bem uma pausa de almoço. A ementa está decidida de véspera e cumprir-se-á com rigor. Estranho seria que não privilegiasse a carne, entre enchidos de porco bísaro, cabritos da raça bravia ou serrana, anhos ou borregos da raça bordaleira ou vacas barrosãs. Sobra ainda neste desfile precisamente a posta de vaca maronesa, que passou ao de leve pela grelha, antes de chegar à mesa com batatinhas a murro e grelos.
A refeição leva o seu tempo. O lume aceso perto da mesa ajuda a retemperar dos rigores do inverno, antes de se voltar à estrada, sinuosa, que nos leva até à entrada do Parque Natural do Alvão. Aqui e ali, a água jorra em cascatas que correm encosta abaixo. Os aguaceiros fizeram uma pausa, deixando que a luz do entardecer tempere as terras de xisto. Mesmo a tempo de irmos espreitar as Fisgas do Ermelo, que distam meia dúzia de quilómetros de Mondim.

Águas em queda livre
Mal se sai do carro, o barulho domina o ambiente. Ainda não vemos a maior queda de água de Portugal, mas já a ouvimos. As águas descem aceleradas ao longo de 200 metros, formando uma piscina natural tão límpida quanto fria, perto que estão da nascente do rio Olo. Curiosamente, o curso do rio marca também a divisão entre as terras xistosas e a área onde predomina o granito.
O Sol entretanto baixou, quando por fim encaramos "O Basto", na nossa última paragem, já no centro de Cabeceiras. A estátua representa um guerreiro lusitano, encarnando a raça das gentes locais, "pessoas de coragem e honradez". Mas, ainda que o corpo seja original, provavelmente do século I a. C., a cabeça foi-lhe acrescentada já no século XVII, barretina e bigodes incluídos. Parece olhar sobranceiro o Mosteiro de S. Miguel de Refojos, do outro lado da praça, que marca o fim do passeio.

Alda Rocha (2013-01-23), in Lifecooler

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