sexta-feira, 1 de março de 2013

Estudo inédito. Frio aumenta enfartes

Metade das vítimas não têm aquecimento em casa e muitos têm mas não o ligam. “O frio está esquecido em Portugal”, diz autor do estudo
 
Por cada grau a menos nos dias de Inverno há um aumento de 2,2% nos casos de enfarte que chegam aos hospitais de Lisboa e de 1,7% nas unidades do Porto. É a primeira vez que existe uma relação clara entre o frio e doenças cardiovasculares em Portugal, o país europeu onde há uma maior discrepância entre as mortes nos meses quentes e nos meses frios. As conclusões foram publicadas este mês na revista científica “Environmental Pollution” e são, na opinião dos autores, uma chamada de atenção gritante. “O frio está esquecido em Portugal”, disse ao i João Vasconcelos, investigador do Instituto Politécnico de Leiria e autor do trabalho.
A relação entre frio e riscos de saúde é conhecida, mas nos últimos anos alguns estudos têm apontado um paradoxo: nos países mediterrânicos e de Invernos moderados o excesso de mortalidade é maior, com Portugal à cabeça em diferenças no número de óbitos entre Verão e Inverno, que superam os 20%. Para analisar o fenómeno, uma equipa que juntou ainda investigadores de Lisboa e Coimbra procurou perceber se um dos principais problemas associados ao frio, o enfarte do miocárdio, aumentava nos meses frios em Portugal. A explicação surge no artigo: o corpo responde ao frio reduzindo fluxo sanguíneo nas zonas periféricas, o que torna o sangue mais viscoso e aumenta o risco de coágulos.
Seguiram-se cálculos que pesaram as temperaturas, vento, humidade e radiação (por isso o grau que usam diz respeito a um índice de conforto térmico) mas também poluição e outros factores de risco como gripe ou pneumonias, para identificar nos casos registados nos hospitais que proporção poderia ser relacionada com o frio. Concluem que há mais enfartes nos dias de mais frio e que os idosos não estão mais vulneráveis: o aumento de admissões nos hospitais é mais significativo tendo em conta todas as idades do que apenas maiores de 65 anos. Uma das explicações, sugerem, é o facto de a população mais jovem passar mais tempo na rua, com mais exposição ao frio.
 
Faltam apoios
Para Vasconcelos e para a co-autora Paula Santana, geógrafa da Faculdade de Letras, a principal conclusão do estudo é que não é o frio por si que provoca doença, mas a fraca prevenção e sensibilização da população. Para os investigadores, recomendações como as da Direcção-Geral de Saúde, como manter a temperatura da casa entre os 19ºC e os 22ºC, estão distantes da realidade. Em mais de uma centena de inquéritos a vítimas de enfarte em meses frios, feitos em 2010 e 2011, metade não tinha aquecimento em casa e um quarto tinha, mas não usava. “Temos uma tarifa social da electricidade ridícula, quando em Inglaterra qualquer pessoa com mais de 65 anos recebe um subsídio para que não seja por falta de dinheiro que não aquece a casa”, diz Vasconcelos. “Em Portugal achamos normal estar numa casa a 13ºC”, lamenta.
Um mapa das habitações mais vulneráveis para que pudesse haver uma intervenção rápida seria uma prioridade. Mas também falta uma estratégia, reconhece Santana. “Pensa-se sempre mais no retorno a curto prazo: no papel da vacinação, de mais camas e médicos. É um investimento que tem de ser feito a médio prazo.” A Direcção-Geral de Saúde promete há mais de dois anos um plano de contingência para o frio como existe para o calor. Paulo Nogueira, da divisão de informação da DGS, explicou que os trabalhos estão em andamento e que estão a ser articuladas as estratégias do frio e da gripe, duas ameaças que se cruzam. Mas reconhece o atraso do país: “O impacto do calor é mais evidente. Se num dia estão 40ºC sabemos que no dia seguinte morrem mais pessoas. O frio tem um efeito a uma ou duas semanas, é mais difícil estabelecer uma relação.”
 
Marta F. Reis, publicado em 1 Mar 2013
in Jornal i

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