quarta-feira, 1 de agosto de 2007

DARFUR, SUDÃO: As balas e o fogo

"Awad tem uns 30 anos. Casou com Ibtissam, Sorriso. Têm um filhote, Bahkit, e são do Darfur – a casa dos Fur –, a província ocidental do Sudão. Viviam em Khur el Bashar, perto de El Fashir. Os «janjauid», as milícias árabes, atacaram a aldeia: casas queimadas, mulheres violadas, dezenas de mortos, gado roubado. Os sobreviventes refugiaram-se em Manauachi. Três meses depois decidiram voltar. Pensavam que o furacão de morte tinha passado. Mas enganaram-se. Os ginetes – é este o significado de «janjauid» em árabe – voltaram montados em camelos e cavalos para secar a aldeia da sua gente. Khur el Bashar significa torrente do homem. Três anos depois do último ataque é um leito seco sem vivalma.
Awad é agricultor como a maioria dos muçulmanos negros do Darfur. «Trabalhava nos campos, sempre tive o suficiente para a minha família e para os meus pais. Agora vivo no campo de deslocados de Dereje. Todos os dias vou a Nyala à procura de trabalho. Mas não é fácil. A cidade está cheia de desempregados como eu. Vêm dos campos de Dereje e de Kalma. A minha mulher cuida do menino e trabalha na Organização de Beneficência. Ganha alguns dinars», Awad diz. «Mas a maioria dos deslocados limita-se a ficar no campo por fraqueza, doença ou pela idade», conclui.
Genocídio
A guerra civil do Darfur começou em Fevereiro de 2003. Rebeldes do Exército de Libertação do Sudão (SLA) e mais tarde o Movimento de Justiça e Igualdade (JEM) – as siglas correspondem aos nomes em inglês –, pegaram em armas contra Cartum, acusando o governo do Sudão de descriminar os agricultores negros em favor dos pastores árabes. O Governo de Omar el Bashir respondeu com as milícias «janjauid». Em quatro anos, mais de 200 mil pessoas morreram, 2,5 milhões foram deslocados e quatro milhões carecem de ajuda. Cerca de 1500 aldeias foram apagadas do mapa. O genocídio alastrou ao Chade e à República Centro-Africana. Os «janjauid» atacam além-fronteiras e começam a matar árabes. Nos desertos inóspitos do leste do Chade vivem 235 mil refugiados sudaneses e 140 mil deslocados internos chadianos. Todos fogem da limpeza étnica dos janjauid.
Respostas
As Nações Unidas montaram no Darfur uma vasta operação humanitária. Catorze mil funcionários tentam aliviar as necessidades de quatro milhões de vítimas do conflito. A sua acção, contudo, é limitada pela insegurança. A União Africana (UA) destacou 7000 homens para a região. A Missão [da União] Africana no Sudão (AMIS em inglês) está no Darfur desde Junho de 2004 mas é incapaz de travar a matança dos «janjauid». Os soldados são poucos, mal armados e mal treinados. Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas, propôs reforçar a AMIS com uma força híbrida de 23 mil soldados da ONU e da UA. Omar el Bashir não aceita. Nega que haja violações no Darfur, diz que «no Sudão somos todos negros», que as vítimas dos confrontos tribais não passam os 9000, que o contingente africano chega para patrulhar uma área do tamanho da França. Entretanto, permitiu que 3000 polícias e militares da ONU dêem apoio técnico à AMIS, incluindo heli-canhões.
Alvos civis
O Conselho dos Direitos Humanos da ONU enviou uma missão ao Darfur em Fevereiro passado. Os delegados escreveram que a situação do Darfur é «caracterizada pela violação sistemática e brutal dos direitos humanos e infracções graves da lei humanitária internacional». E continuam: «A matriz principal [do conflito] é uma campanha violenta de contra-revolta levada a cabo pelo governo do Sudão em concerto com os Janjauid/milícias, alvejando sobretudo civis». O relatório denuncia práticas constantes de assassínios, tortura, violação, deslocamentos forçados e prisões arbitrárias. A ONU acusa as forças armadas do Sudão de atacar alvos civis com aviões e veículos pintados com as marcas da AMIS.
Cenário complexo
Há vastos interesses em jogo no tabuleiro do Darfur. Os Estados Unidos denunciaram o genocídio, mas limitam-se a ameaças. O Sudão tornou-se fonte importante de informação e um aliado na luta norte-americana contra o terrorismo internacional. A China, por seu turno, protege Cartum das sanções no Conselho de Segurança da ONU com o direito de veto. O Sudão é o seu maior fornecedor de petróleo e parceiro económico importante. A Líbia e a Eritreia querem vigiar a fronteira entre o Chade e o Sudão. A Liga Árabe e o Egipto tentam manter o diálogo entre El Bashir e Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU. O Governo semi-autónomo do Sul do Sudão criou uma missão especial para o Darfur e quer organizar uma cimeira com todas as forças rebeldes. A comunidade internacional está focalizada no Oeste do Sudão e o Sul não está a receber as ajudas nem os investimentos que esperava.
Liderança europeia
O governo de Al Bashir divide para reinar, diz que sim hoje e que não amanhã e só se sentará à mesa das negociações se a tal for forçado através de uma diplomacia musculada com medidas punitivas concretas. Especialistas defendem que a presença de uma força híbrida de 23 mil soldados no Darfur tem que ser complementada com o congelamento das contas sudanesas no estrangeiro, a interdição do espaço aéreo do Darfur, a limitação das viagens da liderança sudanesa ao exterior e a ligação do genocídio de Darfur às Olimpíadas de Pequim de 2008.
Cabe à União Europeia (UE) liderar uma ofensiva diplomática que force Cartum a encontrar uma solução política para o Darfur através de um Acordo Compreensivo de Paz entre todas as partes envolvidas como aconteceu com a guerra civil no Sul do Sudão. O Acordo de Paz assinado entre Cartum e uma facção do SLA a 5 de Maio de 2006 morreu à nascença. A Rolls Royce abriu caminho. A empresa britânica fornecia motores à indústria petrolífera sudanesa, mas suspendeu todas as actividades no país em protesto pelo que se passa no Darfur. Cabe à sociedade civil europeia pressionar os seus líderes para porem termo ao genocídio no Oeste do Sudão. E sobretudo a Portugal na hora em que José Sócrates assume a presidência da UE. Para Ibtissam cumprir o seu nome e voltar a sorrir."
José Vieira
Jornalista no Sul do Sudão com Feliz Martins
Missionário Comboniano no Darfur
Texto Conjunto da MissãoPress, Associação da Imprensa Missionária

In site: http://www.agencia.ecclesia.pt/instituicao/pub//51/noticia.asp?jornalid=51&noticiaid=32385