quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Esplendoroso Bussaco (Luso - Portugal)

Palace Hotel do Bussaco
Mata do Bussaco
3050-261 Luso
Telef. (351) 231 937 970

Fax. (351) 231 930 509
E-mail geral: bussaco@almeidahotels.com
www.almeidahotels.com

"Passado o portão em ferro, uma estrada sinuosa conduz-me ao destino. Árvores com altura e dignidade centenárias preenchem o cenário e filtram os raios de sol da manhã, que se estendem numa luminosa linha recta do chão até ao céu, dando ainda mais magia ao quadro. A primeira impressão, ao chegarmos à Mata do Buçaco, é que tudo ali está no sítio certo, em perfeito equilíbrio: a floresta, as pedras e os pássaros, que, quando menos de espera, arriscam solos improváveis. Este pequeno caminho que separa o lugar do Luso da Mata do Buçaco como se separasse a realidade do sonho, é só o princípio... O preâmbulo de um envolvente romance que conduz o visitante numa viagem no tempo.
À chegada, as sensações confirmam-se. O encanto da arquitectura neomanuelina faz-se sentir através de uma imponência que chega a ser delicada, tantos são os detalhes das colunas, os rendilhados da pedra, o pormenor dos azulejos... Erguido no meio da mata, o edifício, construído em pedra de Ançã, é de um branco luminoso que contrasta com o verde profundo que se vê até onde a vista alcança. A perfeição da Natureza em nada rouba protagonismo ao edifício. Pelo contrário: é o encaixe perfeito de uma na outra que tanta beleza dá a este local singular.
Falar do Palace Hotel do Bussaco implica recuar até ao tempo em que nada havia no Buçaco para além da mata...
A mesma que nos observa hoje, do alto da sua história, fazendo com que se instale uma sensação dificilmente explicável ou inteligível. Por momentos, é como se todas as árvores se virassem para a clareira onde hoje está o hotel e o protegessem, criando uma espécie de tranquilidade protectora. Na altura, pensei que se tratava apenas de uma consequência óbvia do meu infantil deslumbramento, mas, mais tarde, encontrei pequenas provas que atestam a minha sanidade.
Foi ali, naquela floresta, que, no século XVII, se instalaram os primeiros Frades Carmelitas Descalços. Vinham à procura de recolhimento e ali encontraram o cenário perfeito para uma vida de contemplação. O pequeno convento, construído em 1628 (hoje, contíguo ao hotel), é a primeira evidência dessa presença, mas um passeio pelas imediações dá conta de outros espaços construídos pelos frades, que usavam as pedras da região para ornamentar e colorir as fachadas.
No século seguinte, a paz do Buçaco deixou de ser um exclusivo da igreja. Nobres, estadistas arruinados e até os chamados "Meninos de Palhavã" (os filhos ilegítimos de D. João V) encontravam aqui um abrigo das maldades do mundo. Era como se esta mata fosse um enclave pacífico onde nem a guerra conseguia entrar. Afinal, foi também aqui que, em 1810, as tropas anglo-portuguesas comandadas por Lord Wellington (figura que ficou muito ligada à história do local), barraram a entrada às tropas francesas. Hoje, cada um desses séculos faz parte da história do hotel, que só viria a ser construído mais tarde, como testemunham os documentos espalhados um pouco por toda a parte... A começar logo pela entrada, onde, em jeito de boas-vindas, se lêem as palavras desse general inglês: «Na Europa, nada há que se assemelhe. Ao visitar a Floresta do Bussaco, senti-me transportado aos maravilhosos e antiquíssimos bosques do Oriente.» A partir de 1834, a mata passou a incluir espécies exóticas, como sequóias, eucaliptos ou freixos-vermelhos, e espécies indígenas, como o azevinho e o pinheiro, alargando assim o seu espectro e fazendo da miscelânea cultural uma das evidências do local. A começar na Natureza e a terminar na arquitectura.
Construído entre 1887 e 1912, o edifício tem origens que se confundem com a do reinado de D. Fernando II, a quem muitos apontam a autoria da ideia da construção deste palacete, ideal para retiros da família real. Grande impulsionador do estilo manuelino em Portugal, foi ele o monarca responsável pela construção do Palácio da Pena, em Sintra, local onde muitos especialistas encontram um evidente paralelismo com o Buçaco. A mistura de estilos arquitectónicos, as inspirações orientais, as referências aos Descobrimentos, a simbiose com a Natureza e até o pequeno convento nas imediações são algumas das características que ambos partilham. Certo é que D. Fernando II morreu antes do início da obra e a autoria da ideia nunca lhe foi atribuída.
Só mais tarde se avançou para a obra, com quatro importantes arquitectos envolvidos: Luigi Manini, cenógrafo do então Real Teatro de São Carlos e arquitecto do Palácio da Regaleira; Nicola Bigaglia, decorador e autor de muitos projectos de restauro; Manuel Norte Júnior, expoente próximo da Arte Nova em Portugal, autor de espaços de referência como os cafés Brasileiro ou Nicola, em Lisboa (e, mais tarde, responsável pelo projecto do Palace Hotel da Curia); e o arquitecto José Alexandre Soares. Logo na sua génese, o edifício reunia nomes importantes e, como todas as grandes obras de todos os tempos, despoletava polémicas que tinham no luxo e no elevado orçamento argumentos centrais. Durante anos, o palácio conheceu diferentes protagonistas e designações, serviu de retiro para gente ilustre e endinheirada, e consolidou a sua identidade hoteleira, adivinhando o que o futuro veio a confirmar. Em 1917, o jovem Alexandre Almeida, um filho da região, assumiu a direcção do Palace, agarrando o que viria a ser o negócio da família e preservando aquela que é uma das jóias da coroa do nosso país.
Encerrados os capítulos do passado, saltamos para o presente. Mas continuamos presos ao passado. Em pleno século XXI, o Hotel do Bussaco confirma o estatuto de património nacional e conserva a aura de outros tempos. Não fossem os sinais pouco evidentes da tecnologia, quase diríamos que tínhamos embarcado numa viagem no tempo...
No lobby da entrada, só mesmo a mobília é mais antiga do que o Sr. Gomes, homem ainda novo, mas que já dispensou 38 anos da sua vida ao serviço do hotel. Começou aos 14, como bagageiro, tendo daí transitado para a portaria, onde, hoje, recorda com indisfarçável saudade, os tempos em que os hóspedes desciam a escadaria vestidos a rigor. Não se poderá pedir o mesmo aos espanhóis, japoneses ou norte-americanos que actualmente ocupam o top dos estrangeiros que visitam o hotel e se concentram nesse mesmo lobby, de boca aberta e dedo espetado no ar, em jeito de admiração. É caso para isso.
Cuidadosamente mantido, o hotel não só preserva a identidade arquitectónica, como conserva o mobiliário original. Os mais atentos não terão problemas em identificar peças Art Déco ou Arte Nova (os dois géneros mais presentes na decoração original, assinada por António Nascimento). Não há cópias baratas, réplicas ou qualquer outro tipo de ameaças à autenticidade do ambiente.
(...)
Concessionado pelo grupo Almeida Hotels (detentor do Hotel Metrópole, em Lisboa; o Astória, em Coimbra; ou o Palace Hotel da Curia, cuja a reabertura está prevista para este ano), o palácio é propriedade do Estado, com toda a manutenção do exterior a ficar a cargo do Instituto das Florestas. Já lá dentro, é o pessoal do hotel que garante o perpetuar do passado, reflectido nas fotografias penduradas no corredor. Cenário de filmes (A Fonte dos Amores ou O Conde de Altamira) e de visitas de Estado (assinaladas com inscrições no mastro que antecede a escadaria), o hotel foi também palco de bailes e banquetes. Um desses jantares de honra foi servido à família real japonesa, em Maio de 2004. Entre as muitas iguarias da região, estavam os conceituados vinhos do Bussaco. Produzidos para consumo exclusivo do hotel, estão armazenados nas caves que se descobrem no piso inferior. E não é uma pena, não dar a provar o Bussaco a quem não tem o privilégio de por lá passar? Paulo Mesquita, director da unidade desde 2000, esclarece: "Não faria sentido comercializá-lo." Porque só ali, no seu habitat natural, é que ele pode ser apreciado no seu total esplendor.
Imagino o sabor de uma dessas taças de vinho, se provada na suite do rei, uma sensação à distância de € 1.100/noite. É esse o preço de dormir rodeado por pequenas relíquias como as porcelanas da Colecção do Palácio Nacional da Ajuda, da Spal. Mesmo em frente, na suite da rainha, um boudoir Art Déco disputa atenções com aquela que é a única cama king size do hotel. Dizem-me que foi aí que, ainda há pouco tempo, dormiu o actor Mel Gibson... Mas muitos outros famosos já passaram pelos 60 quartos e quatro suites do hotel: Marie-José da Bélgica, Camilo Castelo Branco ou Agatha Christie, que escolhia sempre a sobriedade inspiradora da suite 7.
Hoje, o hotel orgulha-se de receber terceiras e quartas gerações de clientes para quem as estadias no Bussaco já são um ritual familiar. Retomam hábitos antigos, como os serões à conversa em redor da lareira ou as manhã de contemplação, perfeitas para desbravar um dos quatro percursos possíveis pelas redondezas. Aceito a sugestão e sigo pela Avenida dos Cedros em direcção àquele que me garantem ser um pôr do Sol perfeito. Assalta-me novamente a ideia de que tudo está no sítio certo e finalmente percebo o que me queriam dizer quando falavam daquela paz..."


Rita Lúcio Martins
In Revista Vogue - Julho 2007

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