Por um punhado de pólen
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"Ao passar os olhos pela revista Matosinhos Hoje, uma das múltiplas formas que a autarquia encontrou para desbaratar o dinheiro dos contribuintes, fico a saber que foi aberta a guerra aos choupos e que já foram abatidos com sucesso 87 exemplares(1). Ou seja, outra forma de desbaratar o orçamento camarário, assim descrita num português quase mediano:
Alergias causadas pelo “algodão” dos choupos preocupam Câmara Municipal
Parque 25 de Abril em Matosinhos, e (sic) Feira de Custóias terão novas espécies mais atractivas É nesta altura do ano que muitas ruas, parques e jardins de Matosinhos e Custóias se enchem de um característico “algodão branco” produzido pelos choupos negros existentes no Parque 25 de Abril, em Matosinhos e no Largo da Feira de Custóias preocupada pelo aumento das alergias entre a população, sobretudo na altura da Primavera, a Câmara Municipal optou pelo abate de 87 espécies (sic) desta árvore, que serão substituídas por novas espécies de menor porte, visualmente mais atractivas e menos susceptíveis de causarem alergias.
Faltam aqui pelo menos duas citações: a primeira, indicando o estudo que refere o aumento de alergias na população de Matosinhos, designadamente as provocadas pelos choupos, a Rede Portuguesa de Aerobiologia nunca refere pólen no ar como sendo dos choupos; a segunda, do estudo científico que considera o choupo como mais susceptível de causar alergias (mais em oposição às tais “mais atractivas” e menos alergénicas (2)).
Pela seguinte razão: é habitualmente o pólen que causa as alergias e quando o tal “algodão” aparece envolvendo as sementes para desse modo as dessiminar com o vento, já a árvore — masculina, não a que liberta o algodão —, polinizou. Sendo árvores dióicas, quer dizer que existem árvores femininas e árvores masculinas. Os exemplares femininos do Choupo, os que libertam as sementes no “algodão”, nem sequer produzem pólen.
Por outro lado, a polinização do Choupo coincide com a polinização de centenas ou milhares de espécies na Primavera, incluindo naturalmente as que mais alergias causam, como por exemplo as gramíneas. Seria importante saber que parte da população é afectada principalmente pelo pólen dos choupos, sabendo-se que essa é frequentemente uma alergia secundária e de grandeza desprezível. O pólen do Choupo é considerado moderadamente alergénico(3).
Depois há a questão de princípio: das duas uma, ou se prova que há toda uma população a sofrer agruras sem fim com a presença destas árvores, ou mal seria que se tratassem assim todos os factores de alergias nas nossas cidades. Isto de andar com a motoserra sempre à frente e árvores “mais atractivas” sempre atrás, é uma atitude que nos remete directamente para a idade do obscurantismo. Dir-se-ia que estas pessoas responsáveis por estas decisões, além de um profundo descuido na gestão do orçamento, esquecem e mais que isso, negam, centenas de anos de conhecimento, hoje mais do que nunca acessível. Cada vez é mais evidente que existe uma ligação estreita entre a poluição do ar e as alergias, comprovada por muitos estudos e artigos científicos4, mas não se vê a “Câmara Municipal preocupada”. O que se vê é ironicamente, ignorantemente e criminosamente por todo o país a abaterem ou arruinarem as árvores que podem ser porventura um dos maiores factores para que não existam ainda mais alergias, que continuam a ser raras nas zonas rurais. Não se prevê a “Câmara Municipal preocupada” em começar a abater os veículos motorizados, incluindo as motoserras, esse singular veículo locomovido a duas pernas. As pessoas com alergias, como eu, sabem que devem evitar sempre que possível o contacto com o alergénico. E devem ser tratadas. Hoje existem vacinas muito sofisticadas e as alergias aos pólens tendem a diminuir com a idade. Os antiestamínicos também evoluíram muito e existem vários que não provocam qualquer sonolência e permitem uma actividade normal. Nos meses de polinização:
- Evitar andar ao ar livre entre as 5 e as 10 da manhã. Guardar actividades ao ar livre para o fim da tarde ou depois da chuva, quando os níveis de pólen são menores.
- Devem manter as janelas de casa e do automóvel fechadas, utilizando ar condicionado e não ventoínhas. No entanto, o pólen também é transportado para dentro pelas pessoas e animais de estimação.
- Devem secar a roupa em secadores ou no interior e não no varal lá fora.
Estas simples medidas não acabam com as alergias, mas abater as árvores também não, é bem mais caro e em última análise, injustificável. É mais um caso em que a ignorância é atrevida e as autarquias, sempre tão lentas a tratar das justas aspirações dos seus cidadãos, desde o buraco na rua à sinalização inexistente, passando por pagar a tempo e horas aos seus fornecedores, quando se tratam de petições para abater árvores, lavradas por meia dúzia de pessoas de mal com a vida, desdobram-se em esforços e tornam-se subitamente enérgicas, rápidas e eficazes.
(1) Na Senhora da Hora também foram abatidos choupos e dezenas de outras árvores sem qualquer razão que o justifique.
(2) Tudo conversa. Mesmo em frente à autarquia tem duas fileiras de 48 choupos, tratados a preceito no Dia da Árvore (Dias Com Árvores). O concelho de Matosinhos tem milhares de Choupos recentemente plantados, designadamente pela empresa Metro do Porto.
(3) Polen Library.
(4) Air Pollution and Allergies: A Connection? (Medicinenet); Air pollution and allergy: you are what you breathe (Nature, artigo pago); Risk factors for asthma and allergy associated with urban migration: background and methodology of a cross-sectional study in Afro-Ecuadorian school children in Northeastern Ecuador (BMC Pulmonary Medicine); Air pollution may significantly worsen respiratory allergies in individuals with genetic risk (Eureka Alert); Allergy To Road Traffic: Exposure To Traffic-Related Air Pollution Linked To Onset Of Allergic Diseases In Children (Science Daily); Air pollution and allergens (Pubmed.gov)."
José Rui Fernandes
In Árvores de Portugal
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