segunda-feira, 17 de maio de 2010

Por um punhado de pólen
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"Ao pas­sar os olhos pela revista Mato­si­nhos Hoje, uma das múl­ti­plas for­mas que a autar­quia encon­trou para des­ba­ra­tar o dinheiro dos con­tri­buin­tes, fico a saber que foi aberta a guerra aos chou­pos e que já foram aba­ti­dos com sucesso 87 exem­pla­res(1). Ou seja, outra forma de des­ba­ra­tar o orça­mento cama­rá­rio, assim des­crita num por­tu­guês quase mediano:

Aler­gias cau­sa­das pelo “algo­dão” dos chou­pos pre­o­cu­pam Câmara Muni­ci­pal
Par­que 25 de Abril em Mato­si­nhos, e (sic) Feira de Cus­tóias terão novas espé­cies mais atrac­ti­vas É nesta altura do ano que mui­tas ruas, par­ques e jar­dins de Mato­si­nhos e Cus­tóias se enchem de um carac­te­rís­tico “algo­dão branco” pro­du­zido pelos chou­pos negros exis­ten­tes no Par­que 25 de Abril, em Mato­si­nhos e no Largo da Feira de Cus­tóias pre­o­cu­pada pelo aumento das aler­gias entre a popu­la­ção, sobre­tudo na altura da Pri­ma­vera, a Câmara Muni­ci­pal optou pelo abate de 87 espé­cies (sic) desta árvore, que serão subs­ti­tuí­das por novas espé­cies de menor porte, visu­al­mente mais atrac­ti­vas e menos sus­cep­tí­veis de cau­sa­rem alergias.


Fal­tam aqui pelo menos duas cita­ções: a pri­meira, indi­cando o estudo que refere o aumento de aler­gias na popu­la­ção de Mato­si­nhos, desig­na­da­mente as pro­vo­ca­das pelos chou­pos, a Rede Por­tu­guesa de Aero­bi­o­lo­gia nunca refere pólen no ar como sendo dos chou­pos; a segunda, do estudo cien­tí­fico que con­si­dera o choupo como mais sus­cep­tí­vel de cau­sar aler­gias (mais em opo­si­ção às tais “mais atrac­ti­vas” e menos aler­gé­ni­cas (2)).
Pela seguinte razão: é habi­tu­al­mente o pólen que causa as aler­gias e quando o tal “algo­dão” apa­rece envol­vendo as semen­tes para desse modo as des­si­mi­nar com o vento, já a árvore — mas­cu­lina, não a que liberta o algo­dão —, poli­ni­zou. Sendo árvo­res diói­cas, quer dizer que exis­tem árvo­res femi­ni­nas e árvo­res mas­cu­li­nas. Os exem­pla­res femi­ni­nos do Choupo, os que liber­tam as semen­tes no “algo­dão”, nem sequer pro­du­zem pólen.
Por outro lado, a poli­ni­za­ção do Choupo coin­cide com a poli­ni­za­ção de cen­te­nas ou milha­res de espé­cies na Pri­ma­vera, incluindo natu­ral­mente as que mais aler­gias cau­sam, como por exem­plo as gra­mí­neas. Seria impor­tante saber que parte da popu­la­ção é afec­tada prin­ci­pal­mente pelo pólen dos chou­pos, sabendo-se que essa é fre­quen­te­mente uma aler­gia secun­dá­ria e de gran­deza des­pre­zí­vel. O pólen do Choupo é con­si­de­rado mode­ra­da­mente aler­gé­nico(3).
Depois há a ques­tão de prin­cí­pio: das duas uma, ou se prova que há toda uma popu­la­ção a sofrer agru­ras sem fim com a pre­sença des­tas árvo­res, ou mal seria que se tra­tas­sem assim todos os fac­to­res de aler­gias nas nos­sas cida­des. Isto de andar com a moto­serra sem­pre à frente e árvo­res “mais atrac­ti­vas” sem­pre atrás, é uma ati­tude que nos remete direc­ta­mente para a idade do obs­cu­ran­tismo. Dir-se-ia que estas pes­soas res­pon­sá­veis por estas deci­sões, além de um pro­fundo des­cuido na ges­tão do orça­mento, esque­cem e mais que isso, negam, cen­te­nas de anos de conhe­ci­mento, hoje mais do que nunca aces­sí­vel. Cada vez é mais evi­dente que existe uma liga­ção estreita entre a polui­ção do ar e as aler­gias, com­pro­vada por mui­tos estu­dos e arti­gos cien­tí­fi­cos4, mas não se vê a “Câmara Muni­ci­pal pre­o­cu­pada”. O que se vê é iro­ni­ca­mente, igno­ran­te­mente e cri­mi­no­sa­mente por todo o país a aba­te­rem ou arrui­na­rem as árvo­res que podem ser por­ven­tura um dos mai­o­res fac­to­res para que não exis­tam ainda mais aler­gias, que con­ti­nuam a ser raras nas zonas rurais. Não se prevê a “Câmara Muni­ci­pal pre­o­cu­pada” em come­çar a aba­ter os veí­cu­los moto­ri­za­dos, incluindo as moto­ser­ras, esse sin­gu­lar veí­culo loco­mo­vido a duas pernas. As pes­soas com aler­gias, como eu, sabem que devem evi­tar sem­pre que pos­sí­vel o con­tacto com o aler­gé­nico. E devem ser tra­ta­das. Hoje exis­tem vaci­nas muito sofis­ti­ca­das e as aler­gias aos pólens ten­dem a dimi­nuir com a idade. Os anti­es­ta­mí­ni­cos tam­bém evo­luí­ram muito e exis­tem vários que não pro­vo­cam qual­quer sono­lên­cia e per­mi­tem uma acti­vi­dade nor­mal. Nos meses de polinização:

- Evi­tar andar ao ar livre entre as 5 e as 10 da manhã. Guar­dar acti­vi­da­des ao ar livre para o fim da tarde ou depois da chuva, quando os níveis de pólen são menores.
- Devem man­ter as jane­las de casa e do auto­mó­vel fecha­das, uti­li­zando ar con­di­ci­o­nado e não ven­toí­nhas. No entanto, o pólen tam­bém é trans­por­tado para den­tro pelas pes­soas e ani­mais de estimação.
- Devem secar a roupa em seca­do­res ou no inte­rior e não no varal lá fora.

Estas sim­ples medi­das não aca­bam com as aler­gias, mas aba­ter as árvo­res tam­bém não, é bem mais caro e em última aná­lise, injus­ti­fi­cá­vel. É mais um caso em que a igno­rân­cia é atre­vida e as autar­quias, sem­pre tão len­tas a tra­tar das jus­tas aspi­ra­ções dos seus cida­dãos, desde o buraco na rua à sina­li­za­ção ine­xis­tente, pas­sando por pagar a tempo e horas aos seus for­ne­ce­do­res, quando se tra­tam de peti­ções para aba­ter árvo­res, lavra­das por meia dúzia de pes­soas de mal com a vida, desdobram-se em esfor­ços e tornam-se subi­ta­mente enér­gi­cas, rápi­das e eficazes.

(1) Na Senhora da Hora tam­bém foram aba­ti­dos chou­pos e deze­nas de outras árvo­res sem qual­quer razão que o jus­ti­fi­que.
(2) Tudo con­versa. Mesmo em frente à autar­quia tem duas filei­ras de 48 chou­pos, tra­ta­dos a pre­ceito no Dia da Árvore (Dias Com Árvo­res). O con­ce­lho de Mato­si­nhos tem milha­res de Chou­pos recen­te­mente plan­ta­dos, desig­na­da­mente pela empresa Metro do Porto.
(3) Polen Library.
(4) Air Pol­lu­tion and Aller­gies: A Con­nec­tion? (Medi­ci­ne­net); Air pol­lu­tion and allergy: you are what you bre­athe (Nature, artigo pago); Risk fac­tors for asthma and allergy asso­ci­a­ted with urban migra­tion: back­ground and metho­do­logy of a cross-sectional study in Afro-Ecuadorian school chil­dren in Northe­as­tern Ecu­a­dor (BMC Pul­mo­nary Medi­cine); Air pol­lu­tion may sig­ni­fi­can­tly wor­sen res­pi­ra­tory aller­gies in indi­vi­du­als with gene­tic risk (Eureka Alert); Allergy To Road Traf­fic: Expo­sure To Traffic-Related Air Pol­lu­tion Lin­ked To Onset Of Aller­gic Dise­a­ses In Chil­dren (Sci­ence Daily); Air pol­lu­tion and aller­gens (Pubmed.gov)."


José Rui Fernandes
In Árvores de Portugal

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