Sal português está a perder a rota
Salgado da Figueira gradualmente transformado em aquacultura
Rota do Sal quase abandonada.
“Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!”. As salinas da Figueira da Foz, ao redor do estuário do Mondego, foram durante séculos usadas em grandes quantidades pela frota piscatória local e a produção de sal já foi um factor de impulso na economia portuguesa; e agora, gradualmente, a conhecer um processo de abandono. Hoje, a mão-de-obra é envelhecida e ninguém quer aprender a profissão de marnoto, apesar de ser uma actividade sazonal e conciliável com outras.
Actualmente, “mesmo a 20 cêntimos, a produção artesanal é ignorada em detrimento da industrial" [cujos métodos são mais competitivos], revelou, ao «Ciência Hoje» (CH), Sónia Pinto, arqueóloga e responsável do Núcleo Museológico do Sal (NMS). Já houve uma tentativa de formação profissional, mas “ninguém apareceu”, contou ainda, reforçando que os jovens não se interessam por esta área.
O sal português chegava a pontos tão distantes como o Báltico ou a Nova Inglaterra. Os pequenos cristais de cloreto de sódio da zona marinha figueirense são isentos de impurezas e não só eram usados para temperar refeições, como conservavam a carne e os queijos. A partir da década de 1970, as alterações drásticas no mercado e nos circuitos de comercialização levaram a uma desvalorização progressiva da produção artesanal. O salgado figueirense, no seu apogeu, contava com 229 marinhas em funcionamento – hoje, reduzem-se a 35.
Sónia Pinto sublinhou ainda que “o sal não é todo igual". Explicou que o artesanal tem menor teor de cloreto de sódio do que o industrial e mantém "elementos essenciais", como o magnésio ou o potássio; é "mais saudável" e "apura mais a comida". Por isso, aconselha: “Estejam atentos ao rótulo, na hora da compra e se temperarem uma açorda com este sal, vão perceber a diferença”.
A fraca rentabilidade levou à transformação das salinas em aquacultura. A marinha municipal do Corredor da Cobra (área em formato serpenteado), em Armazéns de Lavos, espraia-se por apenas duas filas em actividade, mas que garantem uma produção certificada.
NMS pretende preservar actividade tradicional.
A cada salina está associado um armazém secular. O museu foi inaugurado, em 2007, numa tentativa de relembrar a existência deste legado cultural. O NMS tem como missão a necessidade de preservar uma actividade tradicional e um produto artesanal em vias de extinção; funcionando como um centro local e nacional aberto à investigação e informação sobre a biodiversidade da salicultura.
Apoia iniciativas culturais, dinamiza parte muito singular do tecido patrimonial do concelho e faz ainda o estudo e inventário de colecções etnográficas, testemunhos que contribuam para o enriquecimento do espólio. Situado em plena salina, é complementado com a existência de um armazém de sal, de uma rota pedestre, de três quilómetros, pelo salgado e de uma futura rota fluvial pelo estuário a bordo do «Sal do Mondego», um batel com capacidade para transportar dez toneladas de cristais salgados, ao longo da qual é possível observar a flora e fauna locais – o pato-real, a andorinha-do-mar-anã ou o borrelho-de-coleira-interrompida.
É do trabalho do Homem
Para chegar ao sal marinho tradicional utiliza-se essencialmente energia solar, a acção do vento e o trabalho do Homem. É uma actividade muito sujeita às condições climatéricas e os recursos naturais – sol, água, vento e argila – desempenham um papel fulcral. No espaço, qualquer um se pode instruir sobre o processo de obtenção destes cristais, em apenas uma visita.
Salina municipal do Corredor da Cobra.
“Um quilograma de água do mar contém em média 965,6 gramas de água e os 34,4 são outros componentes. O cloreto de sódio é o mais dominante e é necessário a evaporação de uma grande quantidade líquida (através de vento e calor do sol) para conseguir uma solução saturada, onde a cristalização irá ocorrer para ser posteriormente recolhido, sem lavagens nem tratamentos", explicam.
A tradição era passada aos mais novos, que se iniciavam com dez e 12 anos. O sal era carregado em canastras pelas mulheres, das silhas até aos armazéns, construídos em madeira de pinheiro, que devido à ausência de alicerces eram quase flutuantes e com capacidade para cem a 150 toneladas de sal.
A salinicultura tornou-se pouco rentável, a mão-de-obra é dispendiosa e o trabalho duro, mas os poucos marnotos garantem um produto nacional, certificado, artesanal e fácil de encontrar mesmo em grandes superfícies. “Valeu a pena? Tudo vale a pena, Se a alma não é pequena”, já dizia Fernando Pessoa em «Mar Português»
Marlene Moura (2011-03-09)
in Ciência Hoje
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