terça-feira, 18 de setembro de 2012

Gorreana: Um chá raro e requintado em plena Europa

http://www.gorreana.org

Há séculos que o chá seduz o mundo graças ao seu sabor delicado e aos benefícios que lhe são associados. Mas esta delicada planta é caprichosa. Em toda a Europa, Portugal é o único país que consegue produzir chá. A plantação da Gorreana, na ilha de São Miguel, Açores, está em atividade desde 1883 e produz, dizem os estudos, um dos chás com mais antioxidantes do mercado.
Foi Catarina de Bragança, rainha de Inglaterra pelo seu casamento com o rei Carlos II, que em meados do século XVII introduziu, entre os ingleses, o hábito de apreciar a famosa infusão de chá, dando origem ao "five o'clock tea", imagem de marca do povo britânico. O chá já seria vendido, alguns anos antes da chegada de Catarina a Inglaterra, numa loja londrina. Mas aí era promovido como um elixir contra toda a espécie de maleitas. Por isso, o mérito de introduzir a tradição inglesa de beber chá por mero prazer é, até hoje, atribuído à consorte portuguesa do rei.
Depois de ter sido descoberto pelos portugueses, o chá seduziu rapidamente os outros povos. No século XIX, a corrida pelo chá estava ao rubro. Da Rússia, aos Estados Unidos todos desejavam a delicada planta. Mas a China e mais tarde, por volta de 1820, a Índia, detinham o monopólio da produção comercial. E foi neste contexto que, em 1878, surgiu no continente europeu um terceiro produtor. Embora o chá tenha sido introduzido nos Açores em 1750, como planta ornamental, a produção de chá no arquipélago partiu da iniciativa de um só homem: José do Canto, um proprietário e intelectual que avançou com várias experiências e inovações agrícolas na ilha de São Miguel.
"José do Canto era um visionário, um líder, e foi ele que trouxe até cá, através da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, os dois peritos chineses que nos ensinaram a técnica ancestral de plantar, colher, selecionar e até de preparar a infusão do chá", explica ao Boas Notícias Hermano Mota, o gerente e responsável de plantação do chá da Gorreana, que trabalha na empresa há mais de 30 anos.
Este feito destemido de plantar chá num país europeu - uma ilha é certo, mas ainda assim na Europa - correu o mundo. Uma notícia publicada em Julho de 1879 no jornal New York Times relata "a visita de dois peritos chineses às plantações de chá" de São Miguel que, "depois de uma cuidadosa inspeção, constataram que as plantas pertencem a uma das melhores variedades que crescem na China". A mesma notícia avança que o "senhor José do Canto enviou recentemente uma amostra do chá para o Kew Museum (em Londres)" e que "apesar de talvez ser um pouco tostada demais", o seu "cheiro e sabor não são, de modo nenhum, de desprezar".

Chá dos Açores, um sucesso imediato mas temporário
O facto é que, nos Açores, a planta do chá se sente em casa, já que o "clima é ameno e não há estacão seca nem molhada, o que impede pragas perigosas como o aranhiço vermelho, a mosca verde ou o mosquito do chá", explica Hermano Mota, pelo que a introdução deste novo produto agrícola, tal como o ananás, foi um sucesso imediato ainda que temporário.
Em pouco tempo, surgiram nos Açores 16 plantações mas, aos poucos, devido sobretudo "à falta de mão-de-obra para a apanha da planta e à concorrência de chás asiáticos mais baratos", as plantações foram, uma a uma, encerrando. Menos a Gorreana, que em 129 anos nunca interrompeu a sua produção.
Importa referir que, neste momento, além da Gorreana, uma outra plantação, mais jovem, existe nos Açores, a plantação de Porto Formoso, também instalada nas colinas da Ribeira Grande, a norte de São Miguel. Surgida por volta de 1920, esta plantação viu a sua produção interrompida nos anos 80 mas voltou a ser recuperada, no final dos anos 90, pela mão de um dos netos do fundador. Com uma forte componente museológica, a plantação de Porto Formoso recria, todos os anos, a apanha das folhas do chá com trajes típicos do século XIX.
Hermano Mota considera que o sucesso para a prevalência da Gorreana ao longo de mais de um século passa sobretudo por perceber que "o chá não é apenas um negócio". "É preciso respeitar os conhecimentos dos antepassados e os níveis de qualidade", salienta, explicando que, à exceção da colheita da planta que passou a ser feita com métodos mecânicos, na Gorreana ainda se mantêm os "métodos de plantação e tratamento que os chineses introduziram".

Mais de 40 toneladas de chá por ano
Nos seus 32 hectares de terra cultivada com chá, a Gorreana continua a produzir sem recurso a inseticidas, fungicidas, herbicidas, corantes nem conservantes. Até as ervas daninhas "são apanhadas à mão", o que lhe confere o selo de produto biológico. Um conceito que o gerente da propriedade, no entanto, admite não ser 100 por cento exato uma vez que o adubo artificial provou ser indispensável para o sucesso da plantação.
Um dos ensinamentos que ficaram dos peritos chineses foi a temperatura a que a folha deve secar e que nunca deve ultrapassar os 65 graus centígrados. Talvez este seja um dos "segredos" que confere ao chá da Gorreana - tanto ao chá verde como ao preto, que são produzidos da mesma planta embora com tratamentos diferentes - concentrações de antioxidantes muito superiores às dos outros chás à venda no mercado nacional, como foi comprovado num estudo conjunto da Universidade Nova e da Lusófona.
Hoje em dia, o chá continua a ser um "mercado difícil dada a feroz concorrência de países como o Vietname e o Bangladesh", diz Hermano Mota. Mesmo assim, a Gorreana produz, em média, 40 toneladas de chá por ano.
Em 2011, um ano fraco devido às condições climatéricas, saíram das propriedades da empresa 22 toneladas de chá verde e 17 de chá preto. Para este ano, espera-se uma subida acentuada da produção que rondará as 37 toneladas de chá verde e 38 de chá preto. A Gorreana também exporta para vários países, com a França a liderar a lista de importadores, seguida da Alemanha, Estados Unidos e Canadá.
A plantação produz, tradicionalmente, três tipos de chá preto – Orange Pekoe, Broken Leaf e Pekoe – e um tipo de chá verde, o Hysson. Quem tiver a oportunidade de visitar a plantação poderá, ainda, experimentar os delicados gelados fabricados na Gorreana, com vários sabores, entre eles o sabor a chá. A visita às instalações oferece também a oportunidade de assistir às várias etapas da produção, desde a secagem das plantas à escolha manual das folhas.
Apesar da sua expressão no mercado internacional ser simbólica, os chás da Gorreana gozam de uma excelente reputação. Surgem com regularidade artigos na imprensa estrangeira e, ainda recentemente, o chá mereceu uma nova referência num artigo do New York Times sobre o luxuoso hotel Ritz de Paris onde é servido "o original e raro chá da Gorreana".

in Boas Notícias

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