O tomate foi provavelmente um dos maiores desperdícios da história da alimentação. Não se pense com isto que o seu consumo não valha a pena. É justamente pela riqueza da sua composição nutricional que o seu uso histórico apenas na vertente ornamental se constituiu como uma grande perda, principalmente em tempos de grande escassez alimentar.
A nossa gastronomia não fica nada atrás da italiana no que diz respeito à utilização do tomate. No entanto, honra seja feita aos transalpinos pois foram eles os pioneiros na utilização culinária deste fruto, percebendo desde logo que se tratava de algo muito especial ao apelidá-lo de “maçã dourada” (pommi d’ori) termo que, de resto, deu origem ao seu actual nome “pomodoro”.
O tomate é de facto um raro exemplo de conjugação de benefício nutricional e aplicação culinária, uma vez que é justamente do modo sensorialmente mais apelativo que dele conseguimos retirar o seu maior benefício. Já adivinhou que estamos a falar no mais que conhecido licopeno e na harmonia que este possui com a adição de azeite uma vez que, para além de aumentar a absorção deste carotenóide, conjuga-se o tremendo potencial antioxidante destes dois alimentos.
De igual modo, o tomate não dá grandes desculpas a quem não o aprecie “em natureza” pois também os seus derivados, como tomate pelado, polpa de tomate e até o ketchup, mantêm as suas propriedades intactas ou até melhoradas uma vez que quer a cocção, quer a destruição mecânica das suas membranas no processo de trituração tornam o licopeno mais biodisponível. A sua concentração faz igualmente com que os níveis de vitamina A sofram um significativo acréscimo. Ainda assim, há que preferir as versões mais semelhantes ao tomate “real” uma vez que o ketchup, para além da adição de açúcar que sofre, possui um menor teor de polifenóis que os outros subprodutos. E muito falamos do licopeno sem dizer ao certo quais os seus benefícios que, de tantos que são, corremos sempre o risco de nos esquecermos de algum. Assim, o licopeno, sendo um carotenóide, é daqueles que não se “transforma” em vitamina A, o que não o impede de exercer uma actividade antioxidante de relevo que consubstancia o seu efeito cardioprotector com a redução não só dos níveis de mau colesterol como também da sua oxidação, sendo igualmente eficaz na diminuição dos níveis de homocisteína e pressão arterial. Trocando por miúdos, tudo isto são mecanismos que fazem com que a concentração de licopeno no nosso organismo seja um factor independente no que diz respeito à prevenção do enfarte do miocárdio. A sua forte acção antioxidante torna-se igualmente importante na protecção do nosso ADN, sendo que o seu efeito anti-carcinogénico se torna particularmente evidente quando falamos do cancro da próstata, com a diminuição dos níveis de PSA.
Somos realmente uns felizardos por já não conseguirmos viver sem tomate na nossa cozinha, seja em arrozadas, açordas, saladas e estufados pois, apesar do licopeno “absorver” mediaticamente todos os outros nutrientes, o tomate é igualmente riquíssimo em vitamina A, C e E.
O tomate faz assim parte de uma fantástica trilogia sensorial na companhia do azeite e dos orégãos. A felicidade gastronómica e nutricional será sempre muito difícil de definir, mas deve andar muito próximo disto.
Pedro Carvalho, nutricionista (pedrocarvalho@fcna.up.pt)
in Lifestyle Público
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